sexta-feira, 11 de março de 2022

... e o mundo era tão grande

 


Havia um perfume adocicado muito intenso que se desprendia da cesta das maçãs e que eu não sei escrever... Nos degraus de pedra ancorava um raio de sol onde se aninhavam quietos os lagartos e nas asas das aves, inundadas de azul, estavam gravadas todas as rotas... Tudo estava certo, o mundo desdobrava tardes infinitas de pés descalços na terra tão seca, que era a alegria suprema desenhar no pó da pele enigmas secretos com o dedo molhado de saliva. E ríamos... O mundo era tão grande, o mundo era enorme...! Encostávamos as costas à cal das paredes para lhes sentir o calor e lambíamos as mãos pegajosas de compota vermelha e de sumo de laranja... No velho tanque, cheio sempre de água gelada, mergulhávamos o rosto e parávamos de respirar o máximo que pudéssemos, a ouvir o som distorcido das gargalhadas que só sabemos dar na infância... Éramos peixes, éramos pássaros. E não tínhamos medo.

Ana Mateus

 

 

Crédito da imagem:  Children escape the heat of the East Side in the spray from a fire hydrant in 1943. Photograph: Roger Smith/Loc






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