quarta-feira, 6 de maio de 2020

Ainda que eu falasse a língua dos anjos...




O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato.
O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita, o amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
O amor comeu minhas roupas, meus lenços e minhas camisas,
O amor comeu metros e metros de gravatas;
O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus;
O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
O amor comeu minha paz e minha guerra, meu dia e minha noite, meu inverno e meu verão
Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte

João Cabral de Melo Neto






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