Falavam de como teria sido possível chegar onde tinham chegado. De como aquela sucessão de desencontros havia se dado. Ela perguntou:
- Mas quando foi que acabou?
- Não acabou. Eu nunca deixei de querer o teu olhar, de te querer.
Ela meio embasbacada, tentando ainda entender como nunca deixar de querer, como, se... E assim, no meio de uma discussão sobre o de agora em diante, sobre a relação a ser estabelecida a partir dali, ele se vira pra ela e diz:
- Quando teu pai foi perdendo a memória, tu foste te desmanchando, deixando de ser, porque era ele o teu referencial; tu só eras a partir dele...E quando ele morreu mesmo, ficaste definitivamente a deriva...
- Ah! - E fugiu correndo de dentro do carro; tinham chegado, ainda bem, ela já estava sufocando... Entrou em casa e subiu correndo a arrumar roupas velhas pra dar. Precisava começar algum movimento de descarte e esvaziamento. Precisava não pensar que virara pó. Cinco minutos depois o telefone toca. A voz do outro lado: um estranho em apuros. E ela fica feliz que ele tenha ligado e pensa que é bom poder ajudar. Nervoso, o estranho precisa de dados objetivos que ela vai fornecendo aos poucos, tentando acalmá-lo, enquanto trata de se convencer de que não virou pó...foi o pai que virou pó, está virando pó. Ela está viva... Ela fala ao telefone com um estranho.
Que está nervoso, é verdade.
Que diz que só ligou porque estava realmente desesperado e não tinha a quem recorrer, porque as dez tentativas anteriores pra dez outras pessoas não tinham funcionado, é verdade.
Que diz que está um pouco melhor, muito obrigada, agora precisa descansar, é verdade.
Mas ela fala ao telefone. Ela está viva. Uma amiga quer almoçar com ela amanhã. Ela não virou pó, não...
Tuca
Desconheço a autoria da imagem

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