Acompanhar até ao portão os familiares e os amigos que vão saindo; sentir o arrepio da noite pousado nos ombros, como uma mão divina; ficar a acenar um adeus feliz até que o último carro desapareça na curva da estrada; bater suavemente a ruidosa porta da entrada; trocar os saltos altos pelo conforto da borracha das havaianas; carregar as pilhas de louça para a cozinha, fazer desaparecer rapidamente os vestígios da festa...; juntar todas as prendas; separar o lixo (tanto vidro, tanto cartão...!) e reparar sorrindo que como sempre, a caixinha dos comprimidos da avó ficou esquecida no braço do sofá; partir os restos do bolo em partes iguais e guardá-los em tupperwares que amanhã serão entregues aos que hoje não puderam estar presentes; pôr a máquina da louça a lavar; ajeitar com ternura os cortinados, alinhar milimetricamente a moldura de um quadro que descai; fumar um cigarro tranquilo, enquanto todas as fotografias tiradas vão passando devagar no visor cheio de luz; sorrir; rir; olhar em volta, confirmar a ordem retomada no meu mundo; demorar-me finalmente debaixo do chuveiro na água muito quente; depois, só depois, apagar uma por uma todas as luzes; subir as escadas devagar, contando mentalmente os degraus, sorrir e atrasar o pé naquele que range; abrir silenciosamente as portas dos quartos, beijar os filhos adormecidos; acariciar o gato enrolado, sentir na mão o ronronar tranquilo; fechar os olhos, sentir-me a guardiã do meu pequeno castelo e pensar que perante esta paz, nenhum cansaço é capaz de rasgar-me o corpo.
Ana Mateus
Arte por Dariusz Klimczack

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Manoel de Barros