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Em 12 de fevereiro de 1908 nascia em uma família judia, em Munique, na Alemanha, Olga Benário. Leo Benário, pai de Olga, era um advogado social democrata e liberal em idéias. A mãe, Eugénia, pertencia a alta sociedade. Desde muito cedo, graças ao exemplo de seu pai que advogava em favor das causas trabalhistas dos operários atingidos pela crise que grassava na Alemanha naquela época, as idéias liberais de seu pai passaram a ser também as suas idéias. Com 15 anos a jovem e idealista Olga se filiou à Juventude Comunista, e sua militância era muito ativa. Nenhuma dessas atividades, tanto do marido quanto da filha, agradavam à mãe de Olga.
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Olga era uma mulher linda, alta, com cabelos escuros e olhos azuis. Aos 16 anos envolveu-se com o jovem dirigente da Organização, Otto Braun, e por causa dele foi protagonista de uma cena digna dos filmes de Hollywood: ela e mais um grupo de integrantes da Juventude Comunista, em 1928, invadiram a prisão de Moahit para libertar seu grande amor, que estava preso sob acusação de conspiração contra o Estado e alta traição. Em seguida fugiram para Moscou. A proeza destes jovens teve grande repercursão na Rússia Comunista, e Olga foi aclamada em Moscou. Quando foi chamada para dar o seu depoimento sobre os acontecimentos na prisão de Moabit, muito emocionada, confessou:
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"Eu gostaria que vocês soubessem que ali eu cumpri duas tarefas: uma do partido e outra do meu coração."
E aí engajou-se verdadeiramente: participou de um curso de formação política, fez teinamento militar e passou a integrar o Partido Comunista Soviético.
Olga tinha um grande ideal: lutar por uma sociedade mais justa e igualitária. Cresce no Partido e suas atribuições aumentam demasiadamente, o que leva Otto à exasperação dos ciúmes. Mas a grande dedicação e a certeza de que estava no caminho certo fizeram com que, gradativamente, ela e Otto se separassem em fins de 1931, e pra Olga foi um momento de grande revés. Otto confessou-lhe que tinha outra mulher, e remoendo-se de ciúme viajou para Paris, em sua primeira missão internacional pelo Partido.
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.Depois de um tempo, de volta a Moscou, recebe o mais alto cargo da hierarquia de uma organização comunista: presidente de sua Célula. Como prêmio, Olga participou de um curso de pára-quedismo e pilotagem de aviões. Foi nesta época que chegou aos seus ouvidos os rumores de uma tal "
Coluna Prestes", que a deixou impressionada: 25 mil quilômetros a pé, enfrentando tropas de um governo ditatorial, tendo a frente um brasileiro destemido,
Luis Carlos Prestes, sempre lutando, mas sem conseguir alcançar seu objetivo principal. Não imaginava que Prestes estava ali mesmo, em Moscou, a poucos metros de distância de onde se encontrava.
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.Prestes estava em Moscou como engenheiro: tinha uma vida simples, não gozava dos privilégios e regalias que Moscou oferecia às altas autoridades comunistas estrangeiras. Mas participava de conferências e reuniões do Partido Comunista, e num desses encontros, pela primeira vez, ouviu falar de Olga.
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E sequer sabiam que a grande aventura de suas vidas estava prestes a começar:
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Luís Carlos Prestes foi convidado por Moscou a voltar a residir no Brasil em 1934, para ingressar no Partido Comunista Brasileiro e ser o líder de uma revolução cujo objetivo seria implementar o comunismo no país. Olga foi designada por Moscou a acompanhar o brasileiro nesta viagem para garantir a segurança dele! Recebia, assim, a mais importante tarefa de sua vida: participar da realização de uma Revolução Comunista no Brasil.
.Inciava-se, então, todo o processo que os traria ao Brasil: Leningrado, Helsinque, Estocolmo, Amsterdã, os dois à procura de documentação segura. Daí vão para Bruxelas... durante a longa viagem, o casal passa a se conhecer melhor. Vão para Paris, sempre viajando com o disfarce de um casal em lua-de-mel.
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A Internacional Comunista montou para os dois jovens uma ficção: personagens de seus falsos passaportes, Antonio Vilar e Maria Berner Vilar, Prestes e Olga eram marido e mulher. O disfarce que usavam durante toda a viagem os obrigava a intimidades imprevistas: um casal em lua-de-mel não apenas dorme no mesmo quarto, mas na mesma cama! Além disso, se sentiam próximos também pela afinidade intelectual e política. Eram jovens, bonitos e entusiasmados com a perspectiva de uma revolução idealista bem próxima... Fica fácil imaginar como esta encenação tornou-se realidade... durante a viagem os dois revolucionários se apaixonaram.
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Chegaram então em Nova York, pegaram um trem para Miami, e iniciaram a viagem para o Brasil, passando por Santiago e Buenos Aires, por avião. Entraram no Brasil no dia 15 de abril, no Aeroporto Santos Dumont, de manhãzinha ainda.
Olga encantou-se com aquela luminosidade toda, o sol fortíssimo, o verde escuro das matas, o azulão do mar e o risco branco das areias da praia! E Prestes encantava-se com a própria Olga: os olhos azuis radiantes da moça o enfeitiçaram de vez: esta completamente apaixonado.
Fixaram moradia no Rio de Janeiro, e lançaram as bases para a organização e os preparativos da Intentona Comunista de 1935. O papel de Olga foi fundamental para a organização do movimento revolucionário. Participava de inúmeras reuniões, convivia com os integrantes da liderança do movimento, e neste meio grandes amizades surgiram.
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Mas as coisas não correram conforme o esperado: na prática, a revolução começou às 3h e foi abandonada às 13h. Nenhuma das guarnições da Vila Militar se levantou. A revolta ficou restrita ao 3º Regimento de Infantaria, e foi sufocada em poucas horas.
Após o fracasso da revolução Olga e Prestes foram presos e separados. Tentaram colocá-los em carros separados, mas Olga percebeu que aquilo significaria a morte de Prestes. Então agarrou-se tão fortemente ao marido que foi impossível separá-los. Assim, foram transportados juntos até a sede da Polícia. O carro estava tão cheio de policiais que Olga teve que ir no colo do marido. O comboio atravessou a cidade despertando os moradores das ruas por onde passava: sirenes ligadas, tiro para o alto...
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Ao chegarem no prédio da sede da Polícia, Olga e Prestes são separados. Foram informados que eles seriam ouvidos em salas diferentes. Prestes foi colocado dentro de um pequeno elevador, sempre acompanhado por policiais armados, e ela levada para outra sala. Quando a porta gradeada do elevador se fechou, os dois se olharam pela última vez...
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Nos interrogatórios, Olga insistia em dizer que era brasileira e que se chamava Maria Vilar. Porém, após as investigações da polícia brasileira junto à GESTAPO, Polícia Secreta Nazista, descobriu-se tratar de Olga Benario, uma oficial de alta patente da Terceira Internacional. Descoberta sua verdadeira identidade, Olga Benario foi mandada para outro presídio. Lá ficou numa cela coletiva junto com outras mulheres que haviam participado direta ou indiretamente da revolta de 27 de novembro.
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Foi no presídio que Olga descobriu que estava grávida. Casada com um brasileiro, e esperando dele um filho, sentia-se mais segura. Mas de nada isso adiantou: o governo tramava a sua deportação para a Alemanha nazista.
Empreende, então, uma grande luta para ter a criança no Brasil: fez uma declaração pública nos jornais da época, alegando que o governo Vargas estaria cometendo uma injustiça contra uma mulher grávida. O presidente Getúlio Vargas, que queria se vingar de Prestes e ambicionava uma aproximação com o regime nazista de Hitler, decidiu deportar Olga para a Alemanha. Para ela era o pior dos mundos ir a um governo centrado principalmente no ódio a judeus e comunistas.
E foi a bordo do navio cargueiro "La Coruña" que Olga, grávida de sete meses, foi deportada rumo a Hamburgo na calada da noite. Chegando a Alemanha, Olga foi trancafiada numa prisão para mulheres, chamada Barnimstrasse. E foi lá que, em 27 de novembro de 1936 (exatamente um anos após a fracassada revolução) nasceu Anita Leocádia, a filha de Olga e Prestes. O nascimento de Anita representou para Olga uma grande alegria em meio a tanta dor e desespero.
D. Leocádia, mãe de Prestes, fez uma forte campanha em toda a Europa pela libertação do filho, da nora e da neta. Tentou negociar com a Gestapo a libertação de Olga e Anita, mas sequer conseguiu discutir o assunto: alegavam que Olga e Anita não tinham nenhum vinculo de parentesco com elas. A única pessoa que talvez pudesse ajudá-la era a mãe de Olga. Mas esta rejeitou completamente a filha e negou-se a ajudar. Mas Olga teve permissão para amamentar Anita por 14 meses. Após esse período a filha foi-lhe retirada e entregue a D. Leocádia. E isso sem que lhe dissessem uma só palavra sobre o paradeiro da filha. Enlouquecia de pensar que tinham levado Anita para uma creche nazista!
Só depois de um mês foi que recebeu uma carta de D. Leocádia, e soube que filha estava bem e em sua companhia. Olga ressuscitou, literalmente! E passou a sonhar de novo com a liberdade...
Na Alemanha já se vivia os horrores dos campos de extermínio, e em 1937 Olga foi transferida para o campo de concentração de Lichtenburg, e um ano depois para Ravensbrück. A têmpera de Olga, apesar de todo o sofrimento físico e moral e da privação da presença de sua filha, fez com que se tornasse uma líder dentro de seu alojamento, e dava aulas às outras presas!
Fez com que tivessem hábitos de higiene e incentivava a auto-estima das outras presas escrevendo até mesmo uma apostila rudimentar, com ilustrações e mapas através da qual contava sua história e falava sobre os caminhos do mundo.
Em fevereiro de 1942, Olga foi executada junto com outras 200 prisioneiras na câmara de gás de Bernburg. A notícia de sua morte veio através de um bilhete escondido na barra da saia de uma presa.
Só muitos anos depois, já libertado da prisão, é que Prestes receberia a última carta que Olga escrevera a ele e à filha, ainda em Ravensbrück, na noite da viagem de ônibus que a levaria à morte em Bernburg.
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Eis o belo texto da carta de Olga:
“Queridos:
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças - ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte. Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-ia, mesmo se não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida Anita, Meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que me esforço para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijos pela última vez.
Olga.”
Olga Benário Prestes é uma mártir de nossos dias. Seu exemplo de coragem e determinação, defendendo seus ideais e demonstrando forças em momentos históricos tão conturbados pelas duas Grandes Guerras Mundiais e pelo nazismo da Alemanha de Hitler fortificam a crença de que, apesar de ter sido morta por um gás letal, ela ainda vive como uma mulher que deixou seu valor na história mundial e por fazer do seu ideal de vida um sonho para vários povos do mundo.
fotos
daqui
10 comentários:
LINDA ESTRELA..
te escrevo com lágrimas nos olhos, é realmente linda e dolorosa a história de Olga...
uma verdadeira heroina de nossa época!!!
essa carta ,eu já aconhecia do filme..mas lendo e tendo realmente a certesa de que foi Olga quem escreveu, pode-se sentir a dor, o orgulho nessa mulher tão forte e altiva..o amor a sua filha e a Luiz Carlos...é de desabar qualquer coração..
ainda mais o meu.
obrigada por esaa matéria linda, o Brasil precisa saber que nós temos nossos heróis e eles são legítimos.
maravilhosa postagem.
parabéns!!
ah! roubei umas fotinhas...rsr
bjuivos no seu coração. que sua semana seja de força e paz!!!
loba.
Mas bah, Dalva.
É sempre emocionante reler a história de Olga e Luiz Carlos, indepentdente de nossos ideais políticos, essa narrativa nos enche de tristeza pelo sofrimento e de alegria pelo heroísmo.
Parabéns pela escolha.
Oi dalva,
li o livro faz muitos anos e depois vi o filme com a Camila Morgado e achei comovente a história de vida desta mulher. Me encanto com as história da época da 2ºGuerra mundial mas a história desta mulher super companheira de prestes me chocou mais ainda afinal foi o governo de Getúlio ( ou ele mesmo?) quem entregou esta inocente aos inimigos.
belo post. Emocionante!
Bjos meus
Dalva querida
Que post lindo!
Esta leitura sempre prende e me emociona até as lágrimas... linda história de amor, de esperança e de VIDA!
Um dia de luz para ti, minha amiga!
Bjão
Dalva, me lembro do seriado que a Globo fez há alguns anos atrás.
Essa mulher foi uma forca enorme na história.
Sabe-se alguma coisa da filha dela?
Seria interessante se vc achasse alguma coisa e completasse o texto.
Olha, o Wagner deu uma entrevista linda falando do trabalho dele. Vc já leu?
http://casosecoisasdabonfa.blogspot.com/2010/02/voce-sabe-o-que-e-design-de-superficie.html
Um beijao
Oi Dalva,
suas postagens são sempre ricas e interessantes. Bj e obrigada pelo carinho e sempre,
Úrsula
Extremamente interessante, bem apresentada e comovente esta história!
Bjs
Dalva,
Viste o filme brasileiro "Olga"?
A cena mais forte é quando a separam de Anita - um bebê ainda.
É uma história triste e real...
O pior monstro dessa história toda é HITLER, que com seu sonho obsessivo fez perecer mtos inocentes...
Mas seria de grande ajuda, descobrirmos o paradeiro de sua filha, Anita! Vc sabe alguma coisa dela?
bjs
Texto completo, rico, esclarecedor!
Voltei dias depois para lê-lo com calma!
Parabéns por revelar mais uma grande personalidade aqui na blogosfera, Dalva! Belo trabalho.
Beijão!
Jr.
Querida Dalva:
Estava meio sumido, mas reapareci e me deparo com um texto desses...haja coração. Olga só viveu tudo que viveu por ter determinação e amor, tudo que uma pessoa deve ter. Realmente ela é uma grande lição de vida até hoje. Parabéns pela sensibilidade da escolha de um texto tão visceral e emocionante. Beijooos e saudades de vê-la no Lua hein...rs
www.lua2gatos.blogspot.com
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