terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Entre livros




Do medo...

Há livros que me descobrem tão intimamente que evito contar aos outros que os li. Dizer ‘eu li o livro x’ é para mim mais assustador do que nomear quem se deitou comigo ontem.
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Disseste-me que lias Simone de Beauvoir na última confissão, e que os livros nos escolhem quando sentem que estamos preparados para escutá-los. Eu sinto isso, sinto que me chamam da prateleira da estante e me vão contando segredos, histórias, vidas que eu não conheço. Mas os livros que me surpreendem são aqueles que me descobrem, aqueles que viajam bem dentro dos meus próprios segredos… aqueles livros que soletram as palavras que tenho medo de dizer a mim próprio. É um misto de êxtase e pavor quando livros assim me ardem nas mãos. Há com eles um reencontro, a sensação que uma sensibilidade parecida existiu ou existe, como que para aliviar a nossa solidão… como que para anular a nossa diferença e afugentar o medo de existirmos duma forma que nos assusta. Por outro lado cresce uma vontade de não voltar a tocá-los, de não voltar a lê-los. Tornam-se objectos incrivelmente poderosos, uma espécie de espelhos imutáveis e irreversíveis, duros e frios como o confronto inesperado com a verdade. É provável que Sartre tenha sentido o mesmo ao ler Beauvoir, é provável que o mesmo pânico lhe tenha crescido ao reler a sua própria obra. Não sei porquê, mas tenho um pressentimento de que Sartre nunca voltou a ler um dos seus livros, exactamente pelo impacto forte e severo do encontro com esse espelho – não há coisa mais cruel do que ser-se responsável por si próprio. O desajuste entre a sua obra e a sua vida parece-me argumento suficiente para justificar o meu pressentimento. Qual seria a opinião de Beauvoir sobre o assunto?

Vítor Leal de Barros

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