terça-feira, 7 de junho de 2011

Um olhar - Bete Davis


"Para a mulher, o olhar de outra mulher é mais eloqüente do que um espelho."
(Nina Yomerowska)


Sabe-se lá o que há por trás dos olhos de Ruth Elizabeth Davis...

Atrás do eterno cigarro levado a boca e de um copo de dry martini, seu gélido olhar era capaz de fulminar qualquer mortal que atravessasse seu caminho.

O que há por trás de olhos de Bette Davis? Pode ser que seja maldade... pode ser pura inteligência e criatividade, marca dos super-dotados e irascíveis....

Ela nasceu num dia de tempestade, entre relâmpagos e trovões, na ressonância do mundo. Ela própria é um destes elementos da natureza: tempestuosa, retumbante. Veio do céu como uma estrela cadente para nos afirmar que a alma tem razões que a mente desconhece.

Certamente dentro daqueles olhos existe um bicho inquieto, preso, pronto a saltar sobre quem se atrever a mergulhar em seu mistério, por trás de uma jaula inviolável de vidro fumê... Pode-se admirar sua bela pelagem, temer suas garras afiadas. Mas não se deixe hipnotizar pela luz deste olhar, pois se transformará em pedra...

Nunca uma atriz falou tanto com um simples olhar... A cantora pop Kim Carnes homenageou Miss Davis com uma música que alcançou o topo das paradas mundiais: "Bette Davies Eyes".



Miss Davis resume em si todas nós, mulheres comuns ou não... personificou as fortes, as decididas, as ardilosas e sem escrúpulos. Por isso sua imagem inspira maldade - pelo menos no cienama. Sua história - marcada pelo divórcio dos pais e pelo abandono paterno - mescla o talento inegável com faíscas de perseverança. Praticou ambos: quatro divórcios e vários foram os homens que foram abandonados por ela:

“Nenhum dos meus maridos foi homem suficiente para se tornar Mr. Bette Davis”
(disse num testemunho em tribunal, o primeiro deles, o músico Harmon Oscar Nelson Jr, viu provada a alegação de ‘crueldade mental’ infligida por Bette como motivo de divórcio).

Colocava sempre a carreira e arte acima de tudo e de todos. Enfrentou estúdios - foi quem mais lutou para se libertar dos contratos da "Idade de Ouro" de Hollywood. Foi uma dessas atrizes cujo nome ou a simples presença era maior que a própria tela.
Enfrentou solitariamente o machismo imperante em sua época:
“O ego dos homens é elefantino”, dizia, não escondendo ter sido fisicamente agredida por cada um dos seus quatro maridos.


Bete nunca se intimidou perante os padrões de beleza de Hollywood. A beleza clássica de Greta Garbo, Joan Crawford (sua arqui-inimiga) ou Lanna Turner nunca foi páreo para ela. Lutou e se impôs, pelo talento e pela arte, acima destes padrões. Carl Laemmle Jr., diretor da Universal, quase acabou com sua carreira antes de começar, com o infeliz comentário:
“Um protagonista ficar com Bette no final do filme é tudo menos um ‘happy end’”.

Lutou ainda contra as deusas da época, como uma trigresa enfrentava as gazelas. Ficaram famosas suas brigas com Miriam Hopkins e Susan Hayward. Mas foi a guerra de trinta anos contra Joan Crawford que se tornou lendária. Seu veneno destilou sobre a atriz:
“Não lhe mijava em cima nem que ela estivesse a arder”.

A fera por trás dos olhos muda de pele toda noite...


Em "Escravos do Desejo" - John Cromwell, 1934), vestia a pele de uma felina quente em teto de zinco... uma prostituta com coração de enxofre que leva à desgraça o homem que por ela se apaixona.

Em “Jezebel” - de William Wyler, 1938 - pergunto: há algum vestido a preto-e-branco mais vermelho do que o usado por Miss Davis no baile de “Jezebel”?


Em “Vitória Amarga” - de Edmund Goulding (1939) - ela é um tigre subitamente exausto, a menina do jet-set diagnosticada com um tumor cerebral incurável, em busca da felicidade.

Em “A Carta” - de William Wyler, 1940 - transforma-se em coruja, ocultando a frustração e o desejo no calor impossível das plantações malaias.

Em “Pérfida” - de William Wyler, 1941 - exibe-se como uma tarântula, comendo os restos de uma família sulista na virada do século passado.

Em “A Estranha Passageira” - de Irving Rapper, 1942 - passa de lagarta a borboleta pela varinha mágica de Claude Rains — “why ask for the moon when we have the stars?”.

E assim vai ela, através dos filme, de grandes cenas... Miss Davis não para até meados dos anos 40, numa sucessiva série de grandes interpretações como Hollywood jamais conheceu.

Depois de uma breve pausa, em 1950 ela reaprece em "A Malvada" - de Joseph L. Mankiewicz - certamente seu filme mais popular - onde veste a pele de um cisne negro disposto a se sobrepor à antiga rainha do lago... uma falsa inocente preparando a trapaça.

Depois, para sobreviver, fez um pouco de tudo, desde westerns de segunda categoria, melodramas pouco recomendáveis, thrillers, e algumas incursões no mais puro grand guignol —“O que terá acontecido a Baby Jane?”, onde atua ao lado da velha rival Crawford, e transforma a vida dela em trevas durante a filmagem.


Em seus vários papéis, Miss Davis assombra-nos com seus olhos - que tanto nos fazem chorar por ela como chorar dela.
Ao descer as escadas da mansão na última cena de "Vaidosa" - de Vincent Sherman, 1944 - os olhos de Bette Davis irradiam a fragilidade de uma vida de aparências... ao contrário das cenas de "Morte Sobre o Nilo", onde os mesmos olhos transmitem um medo mortal.

Dona de interpretações inesquecíveis, quem de nós, simples mortais, não queríamos, ao menos uma vez na vida, ser Bette Davis?
Afinal, não é bom falar o que se está pensando?... Ela falava.
E sinceramente olhar com desprezo para quem não gostamos... Ela olhava.
Informalmente destilar um suave veneno e sair zombando.... Ela fazia.
Fazer-se de vitima e ao mesmo tempo ser uma cobra peçonhenta. Sempre foi seu melhor papel.
Inventar fofocas e intrigas e dizer sonsamente: "Só estou dando uma idéia."
Destruir a moral do companheiro com palavras duras e ainda dizer: "Digo isso para o seu bem, porque sou sua amiga..."
Calmamente deixar morrer alguém no pé da escada (como na antológica cena em que deixa seu marido morrer a míngua no filme ‘Pérfida”)
Ter o sangue frio como o olhar e matar com seis balas no peito o amante que ameaçava deixá-la, no filme "A Carta"... Servir um delicioso prato de "rato com cebolas" à irmã paralítica: só Bette Davis faria!


Famosa pelos excessos e pelo egocentrismo e marcada por sua sonora gargalhada, é difícil esquecer sua grande energia e o milagre de suas metamorfoses. A jaula de vidro de onde a fera Miss Davis nos fita ainda hoje, não é capaz de contê-la... Seu talento faz com que seja adorada, admirada em seu todo: a febre, a faca, a flama, a fúria, sua arte maior do que a vida.


Um comentário:

Tucha disse...

Uma mulher carismática que soube usar o seu poder de sedução na tela e na vida.

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