O poeta Eduardo leva seu cão raivoso a passear
Eduardo, louco em férias, poeta disfarçado em burocrata,
levanta-se todos os dias com péssimo
humor, para ser devorado pelo relógio de ponto.
Obediente, amável, prestativo, conhece a fisionomia
dos carimbos, sabe de cor o roteiro dos papéis
e sente uma vontade secreta de atear fogo aos
arquivos.
Adora olhar pela janela. Está sempre olhando pela
janela, muito embora nada aconteça.
Acredita nos homens, entregaria sua vida por eles,
porque é um tolo, um humanista impenitente,
um amante das grandes causas, um aprendiz de
santo, um sofredor pela miséria alheia, uma
vitima do melodramático, um desprotegido contra
a chantagem emocional, com uma farpa da
cruz atravessada no coração.
Espera ansioso o momento de lutar pelo proletariado,
mas não compreende como se resolverá o problema
de acomodar os milhões de traseiros num
único trono. E se prepara, desde logo, para enfrentar
os burocratas, os donos do poder e o
pelotão de fuzilamento.
Odeia os delegados, representantes, procuradores,
emissários, substitutos, intermediários, signatários
e mensageiros.
Aguarda o suicídio em massa de todos os tiranetes, o
exílio dos Napoleões do brejo e dos almirantes
sem navio, que não fazem outra coisa senão passar
os subordinados em revista e acabam a carreira
como soldadinhos de pau, esquecidos num
sótão.
Faz amor com irregularidade, porque não obedece a
nenhuma tabela nem tem a mulher ao alcance
da mão. Prefere a monogamia, não por moral
mas porque já lhe é difícil encontrar uma fêmea
com sexo e miolos no lugar.
Desconhece o que é café matinal em família, não tem
filhos para levar ao colégio, embora ame as
crianças e sinta grande inveja dos que nasceram
com suficiente mediocridade para as ter sem
saberem por quê.
Caminha pela noite, sozinho, à caça de fantasmas,
recebe propostas para ser gigolô e sempre se
arrepende por não as aceitar.
Parece crescer ao contrário, da velhice para a adolescência.
E enquanto aguarda o momento de
nascer, leva seu cão raivoso a passear.
Eduardo Alves da Costa, poeta natural de Niterói.
Poema transcrito do livro “No caminho com Maiakovski – Poesia Reunida”
Geração Editorial
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