sexta-feira, 29 de março de 2013

Revolução



O poeta Eduardo leva seu cão raivoso a passear

Eduardo, louco em férias, poeta disfarçado em burocrata,
          levanta-se todos os dias com péssimo
          humor, para ser devorado pelo relógio de ponto.

Obediente, amável, prestativo, conhece a fisionomia
         dos carimbos, sabe de cor o roteiro dos papéis
         e sente uma vontade secreta de atear fogo aos
         arquivos.

Adora olhar pela janela. Está sempre olhando pela
         janela, muito embora nada aconteça.

Acredita nos homens, entregaria sua vida por eles,
         porque é um tolo, um humanista impenitente,
         um amante das grandes causas, um aprendiz de 
         santo, um sofredor pela miséria alheia, uma
         vitima do melodramático, um desprotegido contra
         a chantagem emocional, com uma farpa da
         cruz atravessada no coração.

Espera ansioso o momento de lutar pelo proletariado,
         mas não compreende como se resolverá o problema
         de acomodar os milhões de traseiros num
         único trono. E se prepara, desde logo, para enfrentar
         os burocratas, os donos do poder e o 
         pelotão de fuzilamento.

Odeia os delegados, representantes, procuradores,
         emissários, substitutos, intermediários, signatários
         e mensageiros.

Aguarda o suicídio em massa de todos os tiranetes, o
         exílio dos Napoleões do brejo e dos almirantes
         sem navio, que não fazem outra coisa senão passar
         os subordinados em revista e acabam a carreira
         como soldadinhos de pau, esquecidos num
         sótão.

Faz amor com irregularidade, porque não obedece a
         nenhuma tabela nem tem a mulher ao alcance
         da mão. Prefere a monogamia, não por moral
         mas porque já lhe é difícil encontrar uma fêmea
         com sexo e miolos no lugar.

Desconhece o que é café matinal em família, não tem
         filhos para levar ao colégio, embora ame as
         crianças e sinta grande inveja dos que nasceram
         com suficiente mediocridade para as ter sem
         saberem por quê.

Caminha pela noite, sozinho, à caça de fantasmas,
         recebe propostas para ser gigolô e sempre se 
         arrepende por não as aceitar.

Parece crescer ao contrário, da velhice para a adolescência. 
         E enquanto aguarda o momento de
         nascer, leva seu cão raivoso a passear.

Eduardo Alves da Costa, poeta natural de Niterói.
Poema transcrito do livro “No caminho com Maiakovski – Poesia Reunida”
Geração Editorial



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