domingo, 23 de setembro de 2018

Lição da borboleta


Sabe? borboleta é urna flor que sai voando. Não a persiga nem tente capturá-la, que seu voo é tonto e breve, ela logo se cansa e volta ao caule de onde saiu, repõe-se no seu lugar e deixa ficar-se no que é, no seu estado de flor. Talvez suponha você que a borboleta apenas pousou no galho; não, borboleta não é mais. Pode tocá-la, pode, de leve naturalmente, como todo o mundo deve tocar as flores. Não se mexe, vê? Não é mais borboleta: é flor de novo.

Acontece é que sempre torna a evadir-se, sem nenhuma coordenação motora, no vacilante trajeto dos bêbados, descaindo, levantando-se, contundindo-se nos muros. Flor não sabe voar como os pássaros sabem. Por isso são desajeitadas as borboletas, o voo em ziguezague, os zigues às vezes mais compridos do que os zagues e às vezes os zagues mais compridos do que os zigues. Se não, não tinha graça. Borboleta voando, reta, certa, como os pássaros. Para mim não teria a menor beleza. A beleza está no aprendizado impossível: de chegarem a voar como os passarinhos. 

Veja: eu teria até medo se as crianças também, ao invés de aprenderem a andar, saíssem andando firmemente como as pessoas grandes quando não são muito velhinhas ou não tomam vinhos. O menino levantando-se do berço e sem vacilar andando em linha firme na direção do banheiro para fazer seu pipi. Não, o bom é o cair, é o levantar, é o aprender por si mesmo. Olha, olha aquela borboleta azul, a flor movendo-se no ar que começa a encher-se de sol. Será uma begônia, uma petúnia, um crisântemo? Se você prestar atenção, verá que em suas asas, ou em suas pétalas, ainda persiste o orvalho de ainda há pouco.

Haroldo Maranhão 

Fotografia de Robert Bour


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