quinta-feira, 17 de outubro de 2019

A alva e a alvorada



A cidadezinha mergulhada em espessa neblina, de tal forma que esconde o exato romper da alva. Contudo, a aurora se impõe, aos murros, vazando a teia esfumada.
A claridade se imiscui nos intervalos miúdos da névoa trazendo indícios do dia às verdes campinas e matas. Não se pode dizer amanhecer, mas invasão, há uma força da luz para romper o encorpamento dos ares.
Perdem-se os detalhes que Vieira tão bem descrevia sobre os dois amanheceres, a alva e a alvorada, esta última nunca tão bem definida como a majestosa descrição do autor d´Os Sermões.
Quem vive no campo se embriaga e se envolve nas palavras do mestre jesuíta, explicando-nos o que fazem aqueles raios dourados iniciais.
Não, hoje é a bruma que domina a paisagem. Atravessá-la, ir à padaria (que nem se enxerga) buscar o pão. Tatear o aroma do trigo amassado, a espessura do café fervente ao fundo da loja, a ideia de que o novo sempre advém. Para mim, o café da manhã tem essa potência de aviso e anunciação. É o novo, todos os dias, secularmente, sempre e sempre. Vou, como quem vai colher margaridas. Desnecessárias, humildes, invisíveis. É o dia e ele é inquebrantável em sua aura de doçura, violência e banalidade.
Bom dia. Bom café.


José Antônio Abreu de Oliveira
29.04.2016

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