Entrou no táxi apressado – os olhos injetados e doentios - e instalou-se no banco traseiro. O taxista, envolto em suor e tédio perguntou:
“O senhor quer ir para onde?”
"Para o inferno", respondeu o passageiro.
O taxista virou-se. Percebeu no olhar do estranho passageiro - um homem maduro, corpulento e de modos sombrios - um desespero mesclado com uma inusitada serenidade. O homem sustentou o olhar do taxista e implorou:
"Por favor, siga em frente".
O taxista suspirou e obedeceu. Esperou que alguns segundos se passassem para perguntar novamente:
"Para onde o senhor vai?".
"Se eu soubesse...", suspirou o passageiro, para completar: "Quem sabe para onde vai? Você sabe para onde vai?".
O taxista hesitou:
"Eu vou para onde o senhor disser que iremos".
"Se eu não sei para onde vou, como pode dizer isso?".
"Preciso que o senhor diga para onde quer ir, ou vou ter que parar o carro para não gastar gasolina".
"Eu entrei no seu táxi dizendo para onde queria ir: para o inferno."
"Não posso te levar para o inferno".
"Então me leve para algum lugar parecido".
O taxista hesitou novamente. Que lugar lhe assemelharia mais aos mundos infernais? Sua própria casa, com sua esposa que mal lhe dirigia a palavra havia anos e os filhos adolescentes que não o respeitavam? O clube no domingo com os amigos interesseiros e as brigas que fatalmente aconteciam? Os encontros semanais com o dono do táxi, que lhe cobrava impiedosamente o aluguel do veículo e sempre reclamava de alguma coisa? De repente todos os aspectos de sua vida lhe pareceram infernais, e em uma questão de segundos se perguntou se valia a pena estar vivo. Mais: se queria ainda continuar vivendo. Realmente vivera ao longo daqueles anos todos de necessidades e humilhações. Freou o carro, subitamente.
"O que houve?", perguntou o passageiro.
"Que houve? Não posso te levar para o inferno. Descobri que já vivo nele".
"Então, faça o que tem que fazer".
"É o que o senhor quer?".
"Com certeza. Vamos, homem, resolva tudo por nós dois".
O taxista então deu partida e rumou para a ponte quebrada e abandonada na zona noroeste da cidade. Sempre quis passar direto pelos cones que alertavam os motoristas do perigo. Sempre quis saber se a água do rio era realmente gelada e lodosa, como diziam. Sempre quis descansar de sua própria vida. Ainda que fosse no inferno.
Cefas Carvalho
Crédito da Imagem: Óleo de H. James Hoff, "The audience"
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