quinta-feira, 28 de maio de 2020

Enquanto respiro a saudade


 

E então escorrego para dentro dos meus olhos fechados... E do lado de dentro dos meus olhos há uma rua ventosa igual a tantas outras ruas cheias de vento e uma casa igual a todas as outras casas da cidade. Dentro dessa casa cheira a mar e ouvem-se as ondas num suave murmúrio ecoando toadas inquietas nas paredes pintadas de azul... Um corpo rasga as sombras e percebo que é o teu, pela maneira como te moves... O rádio antigo, abandonado no varandim amarelecido, deixa escapar do seu pequeno corpo de lata uma música imortal e há uma borboleta com as asas feridas presa entre as vidraças da janela onde o sol morre devagar, numa quietude morna... Lá fora o mundo move-se, impassível, alheio ao que sinto, e enquanto respiro a saudade lentamente, mantenho os olhos fechados, deixo que por uns instantes, num tempo suspenso, a memória te veja melhor.
 
Ana Mateus




Crédito da imagem: "Lady in Vintage Clothing Hiding Behind Old Door", by Jill Battaglia




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