terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

O chamado do dia

 


Espertei cedo, sacudido de sonhos e enfarado de lençóis e mantas. O corpo pedindo ação e bulício, qualquer frenesim que me transporte ao dia, ainda não nascido. Há um pássaro nos arredores que sonoriza antes dos galos. Como a consciência do que virá, os avisos de continuidade, que o fogaréu não finda, o desejo de seguir insiste. Este pássaro me traz a sensação de cotidiano, tantas vezes me alertou da passagem da escuridão para a luz, sobretudo da delicadeza do que seja a noite metamorfoseando-se em alvorada. Um limite, um fragmento do que foi e do que será, um decurso tênue, passadiço de segundos, feito abrir os olhos.

A luz já se insinua agora, em azul escuro, densamente frágil e momentânea, cigarras substituindo os grilos, pirilampos desligando as lanternas, trabalhadores de roça fazendo café, o momento em que a mesa ainda não está posta, mas que é impossível dizer que seja madrugada, já é dia nascido. O momento em que nos lembramos do fio do machado, do corte da enxada, da chave dos tratores, dos sapatos, dos balaios.

Foi dito, e enquanto escrevia, ela veio, se adensou, espalhou-se mais. Uma luz que brota do oriente e faz um arco, depois ponte, finalmente a avenida. Desfaço-me do endosqueleto dos sonhos, do mundo interno abissal, escolho lançar-me ao coletivo, às multidões que vão aflorar. É a hora de desejar bom dia. O primeiro carro partiu no caminho do semeado. Os sinos tocam. A vibração das forças se intensificaram e o chamado das ruas se mostra.

José Antonio Abreu de Oliveira


Crédito da imagem: Nascer do Sol do Rancho do Descanso acompanhado de um cafezinho preto do coador de pano – Foto de Hospedaria Vida na Roça, São Bento do Sapucaí




Nenhum comentário:

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

...