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Há uma barreira intransponível entre mim e o mundo - não feita de tijolos ou aço, mas de olhares, sussurros e convenções não escritas. Aos meus mais de sessenta e cinco, carrego o peso não apenas das minhas costas já curvadas pelo tempo, mas de um sentimento que, aos olhos da sociedade, não deveria existir.
Somos prisioneiros das expectativas alheias. Desde cedo aprendemos a nos moldar, encaixar, adaptar. "Aja conforme sua idade", dizem. Como se os anos pudessem limitar não apenas nossos corpos, mas também nossos corações. A sociedade desenhou uma linha invisível, mas inegavelmente presente, que separa o aceitável do impróprio. E eu, que nunca fui de transgredir regras, me vejo condenado por um tribunal que sequer conhece minha defesa.
Quando jovem, acreditava que o envelhecimento traria uma espécie de liberdade - de fazer, de falar, de ser sem tantas amarras. Que ironia perceber que, quanto mais perto da morte, mais estreito se torna o caminho do que me é permitido sentir. Para um homem da minha idade, a admiração por uma jovem é automaticamente interpretada como algo depravado, perverso, quase criminoso. Nunca a palavra "platônica" foi tão essencial e, ainda assim, tão insuficiente para desarmar julgamentos.
Tento me convencer de que são apenas protocolos sociais, criados para proteger os vulneráveis. E, nesse sentido, respeito-os profundamente. Jamais ultrapassaria a linha do silêncio, jamais transformaria meu sentimento em ação ou palavras dirigidas a ela. Mas a distância entre compreender uma regra e aceitar que ela defina a legitimidade do que sinto é quilométrica.
Por vezes me pergunto: se este mesmo sentimento florescesse no peito de um rapaz de vinte e poucos anos, seria ele considerado um romântico esperançoso? Se meus cabelos ainda fossem escuros e minha pele ainda não contasse as histórias dos anos através de suas rugas, seria eu visto apenas como um homem apaixonado?
A crueldade das normas sociais está justamente em sua seletividade. O mesmo ato, o mesmo sentimento, a mesma intenção - tudo se transmuta conforme a idade do portador. E nisso reside o paradoxo que me atormenta: sinto-me julgado não pelo conteúdo do meu caráter ou pela natureza das minhas ações, mas por estar "fora de época", como se houvesse uma data de validade para sentir, para se encantar, para ver beleza.
É curioso como essas mesmas normas que me silenciam também me protegem. Resguardo-me atrás delas para não enfrentar o que talvez seja a maior verdade: que mesmo em um mundo sem julgamentos, ela nunca olharia para mim como mais do que um senhor de idade avançada. A sociedade me oferece uma saída conveniente para a rejeição inevitável.
Então, resigno-me. Aceito meu papel de observador silencioso, de admirador à distância, de guardião de um sentimento que nunca verá a luz do dia. Transformo meu amor proibido em palavras escritas em folhas que ninguém lerá, em desabafos disfarçados de contos, em metáforas que só eu compreendo plenamente.
E a vida segue, dentro dos limites previstos para alguém da minha idade. Frequento a academia nos mesmos horários, encontro os mesmos amigos no mesmo bar, repito as mesmas histórias. Por fora sou o reflexo distorcido do que um dia fui - um homem capaz de se apaixonar sem pedir permissão ao tempo.
Talvez o maior erro da sociedade seja crer que envelhecer significa deixar de sentir com intensidade. Que os anos, ao nos concederem sabedoria, nos retiram a capacidade de nos maravilharmos, de nos encantarmos, de nos apaixonarmos. Como se, ao cruzar determinada idade, devêssemos nos contentar apenas com a nostalgia dos sentimentos passados, nunca mais com a perspectiva dos presentes ou futuros.
Não peço que compreendam ou aceitem o que sinto. Peço apenas que não neguem meu direito de sentir. Que não confundam o respeito às convenções sociais - que mantenho rigorosamente - com a ausência de uma vida emocional rica e complexa. Afinal, será mesmo transgressão apenas existir, com todas as contradições e sentimentos que isso implica? Ou a verdadeira prisão está em permitir que o olhar alheio defina não apenas o que posso fazer, mas também o que posso ser?
Enquanto não tenho respostas, sigo minha rotina.
Amanhã novamente estarei lá, observando-a de longe, guardando para mim o segredo que todos parecem já saber: que meu coração, velho e cansado como possa parecer, ainda bate no ritmo descompassado da paixão não correspondida, não realizada e, segundo os padrões do mundo, não permitida.
@sesentaemuitos
Crédito da imagem: fotografia de Rene Böhmer
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