domingo, 11 de maio de 2025

O homem maduro

 


Dizem que o tempo faz o homem amadurecer. Eu não acredito nisso. O tempo torna o homem mais medroso, e o medo torna-o conciliador, e, ao ser conciliador, procura aparecer perante os outros de forma que o acreditem maduro. E com o medo vem a necessidade de afeto, de algum calor humano para se proteger do frio do universo. Quando falo de medo, não me refiro simplesmente, nem em particular, ao medo pessoal: o medo da morte, da decrepitude, da penúria ou qualquer outra desgraça puramente mundana. Penso num medo mais metafísico, um medo que penetra na alma através da experiência dos piores males a que a vida nos submete: a traição dos amigos, a morte daqueles que amamos, a descoberta da crueldade que se agasalha no comum das pessoas.

Bertrand Russell - Autobiografia











Descubra seu próprio jardim

 

Enfeite-se com margaridas e ternura e escove a alma com leves fricções de esperança. De alma escovada e coração estouvado, saia do quintal de si mesmo e descubra o próprio jardim. Sorria lírios para quem passe debaixo de sua janela. Ponha intenções de quermesse em seus olhos e beba licor de névoa de borboletas, cada qual trazendo uma pérola falante a dizer frases sutis e palavras de galanteria.

Carlos Drummond de Andrade





Imagens:

Fotografia de Annie Leibovitz

e Arte de Gustave Klimt





quinta-feira, 8 de maio de 2025

O rio e o oceano

 



Dizem que antes de um rio entrar no mar, ele treme de medo. Olha para trás, para toda jornada que percorreu, para os cumes, as montanhas, para o longo caminho sinuoso que trilhou através de florestas e povoados, e vê à sua frente um oceano tão vasto, que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar.
Voltar é impossível na existência. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. Somente ao entrar no oceano o medo irá desaparecer, porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano, mas de tornar- se oceano

Osho




Fotografia Fine Arts





quarta-feira, 7 de maio de 2025

Sobre o silêncio


O dia de hoje, 07 de Maio, é o Dia Mundial do Silêncio.

É uma data que visa alertar sobre os danos da poluição sonora na saúde e na qualidade de vida. A Organização Mundial da Saúde (OMS) criou esta data para conscientizar sobre os impactos negativos do ruído, como perda de audição, estresse e outros problemas.

Honremos essa data também como a data de um silencio interior, um silencio de alma.


Lápide 1
epitáfio para o corpo

Aqui jaz um grande poeta.
Nada deixou escrito.
Este silêncio, acredito,
são suas obras completas.

Paulo Leminski


Se você não consegue entender o meu silêncio de nada irá adiantar as palavras, pois é no silêncio das minhas palavras que estão todos os meus maiores sentimentos.

Oscar Wilde


Sempre tive a impressão de que a música fosse apenas o extravasamento de um grande silêncio.

Marguerite Yourcenar


Não é necessário sair de casa.
Permaneça em sua mesa e ouça.
Não apenas ouça, mas espere.
Não apenas espere, mas fique sozinho em silêncio.
Então o mundo se apresentará desmascarado.
Em êxtase, se dobrará sobre os seus pés.

Franz Kafka



Silêncio
 
Assim como do fundo da música 
brota uma nota 
que enquanto vibra cresce e se adelgaça 
até que noutra música emudece, 
brota do fundo do silêncio 
outro silêncio, aguda torre, espada, 
e sobe e cresce e nos suspende 
e enquanto sobe caem 
recordações, esperanças, 
as pequenas mentiras e as grandes, 
e queremos gritar e na garganta 
o grito se desvanece: 
desembocamos no silêncio 
onde os silêncios emudecem.

Octavio Paz 



Silencio

se tem algo
tagarela em mim
é o meu silêncio.
falo mais pelas letras
do que pela boca.
consequentemente
há um amontoado
de versos 
aninhados em mim
esperando a hora certa
de voar.
é que a vida também acontece
dentro da gente.
no nosso âmago
no nosso silêncio.
e eu tenho morado bastante dentro de mim.
e me grito. me ouço. me silencio!
e vou me gestando e parindo diariamente.

Gizelle Gi





Sobre a beleza II

 


A beleza é tudo aquilo que você não dá conta de ver sozinho. Quando você encontra uma coisa muito bonita você fala assim: "ih...fulano deveria ver isso"

Aí você vê, vê um pôr de sol muito bonito aqui na janela e você pensa que fulano deveria ver aquilo.

A beleza não cabe em você então...

Eu acho que a beleza é profundamente triste quando você está sozinho. Você não dá conta dela, ela pesa muito... então você tem que passar pra alguém".

Bartolomeu Campos de Queiros



Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: Me ajuda a olhar!

Eduardo Galeano




Fotografia de Dalva Nascimento




Sobre a beleza I

 


Ainda que eu não possa encontrar no mundo nem sentido objetivo nem finalidade transcendente, conheci momentos em que a beleza de uma flor justificou aos meus olhos a ideia de uma finalidade universal, assim como a menor das nuvens soube clarear momentaneamente minha visão sombria das coisas.

Emil Cioran




Fotografia de Dalva Nascimento





terça-feira, 4 de março de 2025

Abraça-me

 


Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.

Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.

Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.

Uma vez que nem sei se tu existes.


Joaquim Pessoa
in 'Ano Comum'



Credito da Imagem; Gravura via Etsy




Tempestades na boca

 


Chove muito, muito, dir-se-ia que estão a lavar o mundo. O meu vizinho do lado vê a chuva e pensa em escrever uma carta de amor - uma carta à mulher com quem vive e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele e se parece com a sua sombra. O meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher. Entra em casa pela janela e não pela porta. Por uma porta entra-se em muitos sítios: no trabalho, no quartel, na prisão, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo, nem numa mulher, nem na alma. Quer dizer, nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos. Assim como hoje que chove muito e me custa escrever a palavra amor, porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa... e só a alma sabe onde as duas se encontram e quando e como, mas que pode a alma explicar? Por isso o meu vizinho tem tempestades na boca. Palavras que naufragam, palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que ele amou. E deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá como o silêncio que existe entre duas rosas ou como eu que escrevo palavras para regressar ao meu vizinho que vê a chuva e à chuva ao meu coração desterrado.

Juan Gelman





Crédito da Imagem: arte de William Ashford




sábado, 1 de março de 2025

A prisão invisível: normas sociais e o coração silenciado

 


Há uma barreira intransponível entre mim e o mundo - não feita de tijolos ou aço, mas de olhares, sussurros e convenções não escritas. Aos meus mais de sessenta e cinco, carrego o peso não apenas das minhas costas já curvadas pelo tempo, mas de um sentimento que, aos olhos da sociedade, não deveria existir.

Somos prisioneiros das expectativas alheias. Desde cedo aprendemos a nos moldar, encaixar, adaptar. "Aja conforme sua idade", dizem. Como se os anos pudessem limitar não apenas nossos corpos, mas também nossos corações. A sociedade desenhou uma linha invisível, mas inegavelmente presente, que separa o aceitável do impróprio. E eu, que nunca fui de transgredir regras, me vejo condenado por um tribunal que sequer conhece minha defesa.

Quando jovem, acreditava que o envelhecimento traria uma espécie de liberdade - de fazer, de falar, de ser sem tantas amarras. Que ironia perceber que, quanto mais perto da morte, mais estreito se torna o caminho do que me é permitido sentir. Para um homem da minha idade, a admiração por uma jovem é automaticamente interpretada como algo depravado, perverso, quase criminoso. Nunca a palavra "platônica" foi tão essencial e, ainda assim, tão insuficiente para desarmar julgamentos.

Tento me convencer de que são apenas protocolos sociais, criados para proteger os vulneráveis. E, nesse sentido, respeito-os profundamente. Jamais ultrapassaria a linha do silêncio, jamais transformaria meu sentimento em ação ou palavras dirigidas a ela. Mas a distância entre compreender uma regra e aceitar que ela defina a legitimidade do que sinto é quilométrica.

Por vezes me pergunto: se este mesmo sentimento florescesse no peito de um rapaz de vinte e poucos anos, seria ele considerado um romântico esperançoso? Se meus cabelos ainda fossem escuros e minha pele ainda não contasse as histórias dos anos através de suas rugas, seria eu visto apenas como um homem apaixonado?

A crueldade das normas sociais está justamente em sua seletividade. O mesmo ato, o mesmo sentimento, a mesma intenção - tudo se transmuta conforme a idade do portador. E nisso reside o paradoxo que me atormenta: sinto-me julgado não pelo conteúdo do meu caráter ou pela natureza das minhas ações, mas por estar "fora de época", como se houvesse uma data de validade para sentir, para se encantar, para ver beleza.

É curioso como essas mesmas normas que me silenciam também me protegem. Resguardo-me atrás delas para não enfrentar o que talvez seja a maior verdade: que mesmo em um mundo sem julgamentos, ela nunca olharia para mim como mais do que um senhor de idade avançada. A sociedade me oferece uma saída conveniente para a rejeição inevitável.

Então, resigno-me. Aceito meu papel de observador silencioso, de admirador à distância, de guardião de um sentimento que nunca verá a luz do dia. Transformo meu amor proibido em palavras escritas em folhas que ninguém lerá, em desabafos disfarçados de contos, em metáforas que só eu compreendo plenamente.

E a vida segue, dentro dos limites previstos para alguém da minha idade. Frequento a academia nos mesmos horários, encontro os mesmos amigos no mesmo bar, repito as mesmas histórias. Por fora sou o reflexo distorcido do que um dia fui - um homem capaz de se apaixonar sem pedir permissão ao tempo.

Talvez o maior erro da sociedade seja crer que envelhecer significa deixar de sentir com intensidade. Que os anos, ao nos concederem sabedoria, nos retiram a capacidade de nos maravilharmos, de nos encantarmos, de nos apaixonarmos. Como se, ao cruzar determinada idade, devêssemos nos contentar apenas com a nostalgia dos sentimentos passados, nunca mais com a perspectiva dos presentes ou futuros.

Não peço que compreendam ou aceitem o que sinto. Peço apenas que não neguem meu direito de sentir. Que não confundam o respeito às convenções sociais - que mantenho rigorosamente - com a ausência de uma vida emocional rica e complexa. Afinal, será mesmo transgressão apenas existir, com todas as contradições e sentimentos que isso implica? Ou a verdadeira prisão está em permitir que o olhar alheio defina não apenas o que posso fazer, mas também o que posso ser?

Enquanto não tenho respostas, sigo minha rotina.

Amanhã novamente estarei lá, observando-a de longe, guardando para mim o segredo que todos parecem já saber: que meu coração, velho e cansado como possa parecer, ainda bate no ritmo descompassado da paixão não correspondida, não realizada e, segundo os padrões do mundo, não permitida.


@sesentaemuitos



Crédito da imagem: fotografia de Rene Böhmer



quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

O peito esvaziou-se

 



Fomos tudo. Tivemos a vida na palma da mão. Aquecemo-nos nas brasas molhadas apagadas por lágrimas doces. Soubemos o que era tudo e agora não sabemos o que é nada. O peito encheu-se e agora esvaziou-se. Pronto voltará a encher-se, não sei se será de um ar tão puro como o de antes. Resta-nos apenas continuar a viagem. Inspirar e expirar até que um dia o coração decida parar para sempre.

in Microccontos



Imagem via Pinterest




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