domingo, 23 de abril de 2023

Clariceando

 


Havia a levíssima embriaguez de andarem juntos, a alegria como quando se sente a garganta seca. Andavam por ruas e ruas, falando e rindo, falavam e riam para dar matéria e peso à embriaguez que era a alegria deles.
Por causa de carros e pessoas, às vezes eles se tocavam e ao toque - a sede é a graça, mas as águas são de uma beleza escura - e ao toque brilhava o brilho da água deles, a boca ficando mais seca de admiração. Como eles admiravam estarem juntos. 

Até que tudo se transformou em não. Era a dança dos erros. O cerimonial das palavras desacertadas. Ele procurava e não via, ela não via que ele não vira, ela que estava ali, no entanto. Tudo errou, e havia a grande poeira das ruas, e quanto mais erravam, mais com aspereza queriam, sem um sorriso.

Tudo só porque tinham prestado atenção, só porque não estavam bastante distraídos. Só porque, de súbito, exigentes e duros, quiseram ter o que já tinham. Tudo porque quiseram dar um nome, porque quiseram ser, eles que eram. Foram então aprender que, não se estando distraído, o telefone não toca e é preciso sair de casa para que a carta chegue. Quando o telefone finalmente toca, o deserto da espera já cortou os fios. Tudo, tudo por não estarem mais distraídos.

Clarice Lispector

 

 

Crédito da imagem: "Crossing" , fotografia de Panelomo



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