É quase primavera, reparaste? Planta uma árvore no teu jardim, uma árvore bela que rebente em flor e se encha de frutos, onde as aves façam ninho e que seja a casa dos bichos... E depois, baixinho, a sós contigo, dá-lhe o meu nome. Quero ser uma cerejeira cor de rosa e envelhecer num canto abrigado do teu chão, quero conhecer-te pelo riso e saber de cor o som dos teus passos, quero que te sentes à sombra de mim e encostes o cansaço ao meu tronco, com os olhos fechados... Planta-me no teu jardim, quero enterrar-me na terra que abrirás com as tuas mãos, quero ser a árvore serena que só tu cuidarás, regarás, podarás, adubarás, quero ser uma árvore que sobreviva para além de nós... Talvez possas escolher o canto mais silencioso, porque eu gosto de silêncio... Só tu saberás que sou eu, tomarás conta de mim, não deixarás que a tempestade me derrube e colherás os frutos que eu der, que serão doces, cor de sangue, o sangue da nossa saudade. E talvez possas, quando a árvore for forte e tiver o tronco rijo, colocar num dos ramos mais altos um sino dos ventos feito de conchas e de búzios. E quem sabe, quando o vento o agitar ao fim da tarde, talvez ouças a voz do mar na cerejeira com o meu nome. Talvez ouças as ondas, ainda as minhas ondas a bater em ti.
Ana Mateus
Fotografia de Dalva Nascimento
Nenhum comentário:
Postar um comentário