![]() |
Chove muito, muito, dir-se-ia que estão a lavar o mundo. O meu vizinho do lado vê a chuva e pensa em escrever uma carta de amor - uma carta à mulher com quem vive e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele e se parece com a sua sombra. O meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher. Entra em casa pela janela e não pela porta. Por uma porta entra-se em muitos sítios: no trabalho, no quartel, na prisão, em todos os edifícios do mundo mas não no mundo, nem numa mulher, nem na alma. Quer dizer, nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos. Assim como hoje que chove muito e me custa escrever a palavra amor, porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa... e só a alma sabe onde as duas se encontram e quando e como, mas que pode a alma explicar? Por isso o meu vizinho tem tempestades na boca. Palavras que naufragam, palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na mesma noite em que ele amou. E deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá como o silêncio que existe entre duas rosas ou como eu que escrevo palavras para regressar ao meu vizinho que vê a chuva e à chuva ao meu coração desterrado.
Juan Gelman
Nenhum comentário:
Postar um comentário