quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Metáforas

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Estávamos reunidos para cantar, ou melhor, para treinar cantar. A professora estava presente e alguns de seus alunos. Todos num misto de animados e inibidos, uma certa euforia. Improvisamos um palco: um canto de sala mais iluminado, onde um móvel abrigava o serviço de som. Para lá nos dirigíamos, quando escolhíamos o que cantar. Os demais alunos, enquanto aguardavam sua vez de cantar, se faziam platéia, torciam, incentivavam, aplaudiam. Muita atenção e muita gargalhada, como que para espantar o ridículo ou o seu conceito. Fui cantar. Cantei. Dei conta.
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Ao terminar, após um movimento de corpo qualquer, o colar que me servia de adereço se partiu. Todas as pedras e contas e fios e mais penduricalhos se espalharam pelo chão da sala onde estávamos. Nesse momento, a platéia solidariamente se abaixou para catar todas as peças, até as minúsculas. Não é preciso dizer que, por uns instantes, o clima mudou. Mas, continuamos. Outros cantaram, todos cantaram, enfim, ficamos alegres por que soltamos a voz, no volume possível a cada um.
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Finda a festa, catadas as peças daquilo que tinha sido um colar, retornei a minha casa. Escolhi, naquele momento mesmo, reconstruir outro colar. É certo que algumas pedras e contas se haviam perdido. O colar ficaria maiscurto. Isto não era problema, afinal, a maior parte do material estava comigo. Mas, e o design? Eu não o tinha registrado totalmente na memória. Era um colar bonito, rústico, colorido. O que sei acerca de colares é que a sua construção obedece a uma certa simetria, considerando que um de seus lados deve guardar semelhança com o outro lado. A outra coisa que sei acerca de artesanato é que qualquer peça deve resultar do estilo de quem a faz, isto é, do atendimento à voz do coração e a partir de alguma referência de harmonia entre cores e tamanhos e formas. Nada além disso; nenhuma experiência nessa área nem destreza.
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Organizei as peças em pares semelhantes. Algumas das partes ficaram sem par. Selecionei-as por cor, tamanho e características próprias. Nessa ocasião, me indaguei por onde começar. De uma coisa eu sabia: aquele colar que tinha sido, não era mais. Eu podia construir outro, mas não aquele.
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Daí em diante, comecei por qualquer começo, afinal, não havia modelo, mas havia material solto suficiente para dar vida e forma a um novo adereço. Iniciei enfiando cada conta, cada pedra, às vezes em conjunto, às vezes isoladamente, e observando a simetria entre os lados que compõem um colar. Quase pronto, sobraram peças ímpares. Optei por juntá-las a qualquer dos lados. A última parte é composta de uma espécie de mandala, como que juntando as polaridades na unidade. Fechei com nó simples as pontas dos fios que sustentam as pedrarias, até por que não sei dar outros tantos nós e também para possibilitar que este nó (quem sabe?) se desfaça outro dia e assim eu possa fazer, de outro jeito, outro colar.
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Quando o colar arrebentou e só sobrou um amontoado de contas, eu tinha pelo menos mais três opções: não reconstruí-lo, guardar o material ou jogá-lo no lixo. Qualquer que tivesse sido a escolha, um fato me parece inarredável: a realidade continuaria sendo construída, de um jeito ou de outro.
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Desconheço a autoria

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