quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Beijo no coração

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Outro dia li um artigo do publicitário Lula Vieira em que ele encerra com a seguinte pergunta: "Existe alguma possibilidade de encontrar vida inteligente em quem se despede dizendo "beijo no coração"?
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Fiquei em estado de choque. Que coragem, meu Deus, que coragem. Um dia quero ter esta coragem também, pensei na hora. Porque eu ouço beijo no coração pra lá, beijo no coração pra cá, e também acho piegas, mas nunca ousei afirmar isso em público. Afirmo agora, e a quantidade de desaforos que vou receber não haverá de ser pequena.
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Ao mesmo tempo que desgosto dessa expressão, acho uma pena que falar em coração tenha se tornado uma coisa tão antiga. Mas o fato é que tornou-se. Coração dilacerado, coração em pedaços, coração na mão... Sentimos tudo isso, mas a verbalização soa piegas. E no entanto estamos falando dele, do nosso órgão mais vital, do nosso armazenador de emoções, do mais forte opositor do cérebro, este sim, em fase de grande prestígio.
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O que está em alta? Inteligência. Raciocínio. Lógica. Perspicácia. Gostamos de pessoas que pensam rápido, que são coerentes, que evoluem, que fazem os outros rirem com suas ironias e comentários espertos. Toda essa eficiência só corre risco de desandar quando entra em cena o inimigo número 1 do cérebro: o coração. É o coração que faz com que uma supermulher independente derrame baldes de lágrimas por causa de uma discussão com o namorado. É o coração que faz com que o empresário que precisa enxugar a folha de pagamento relute em demitir um pai de família. É o coração que faz com que todos os modernos tremam seus queixinhos quando o Faustão põe no ar o quadro Arquivo Confidencial, aquele em que uma pessoa famosa é obrigada a ouvir depoimentos de toda a sua árvore genealógica, incluindo os desafetos e às vezes até os mortos da família.
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Eu gostaria que o coração fosse reabilitado, que a simples menção dessa palavra não sugerisse sentimentalismo barato, mas para isso é preciso tratá-lo com o mesmo respeito com que tratamos o cérebro, e com a mesma economia. "Beijo no coração" é over. Voltemos a ser simples. Mandemos beijos e abraços sem determinar onde, quem os receber tratará de sentí-los no local adequado.
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Martha Medeiros

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