sexta-feira, 7 de agosto de 2009

A morte

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"Então ela, a morte, levantou-se, abriu a bolsa que tinha deixado na sala
e retirou a carta de cor violeta.
Olhou em redor como se estivesse à procura de um lugar onde a pudesse deixar,
sobre o piano, metida entre as cordas do violoncelo, ou então no próprio quarto, debaixo da almofada em que a cabeça do homem descansava.
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Não o fez. Saiu para a cozinha, acendeu um fósforo, um fósforo humilde,
ela que poderia desfazer o papel com o olhar, reduzi-lo a uma impalpável poeira,
ela que poderia pegar-lhe fogo só com o contacto dos dedos,
e era um simples fósforo, o fósforo comum, o fósforo de todos os dias,
que fazia arder a carta da morte, essa que só a morte podia destruir.
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Não ficaram cinzas. A morte voltou para a cama, abraçou-se ao homem e,
sem compreender o que lhe estava a suceder, ela que nunca dormia,
sentiu que o sono lhe fazia descair suavemente as pálpebras.
No dia seguinte ninguém morreu."
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José Saramago
in "As Intermitências da Morte”

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2 comentários:

Monica disse...

Verdadeiramente uma delícia ler Saramago pela manhã, num texto que tão sensível e que nos transmite esperança!

Beijos, querida e um final de semana radiante!

Dalva Nascimento disse...

Monica, esse texto me deixou encantada... e me passou mesmo essa idéia de esperança. Viva Saramago, meu ídolo!

Beijinho prá ti!

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