domingo, 2 de junho de 2013

Retrato Escravo



Até o chão daquela terra castigada, acostumado a ver madeira cair de serrada todo o dia, estranhou quando Antônia viajou de longe para tentar fincar duas simples tábuas. Não era nada grande, não, senhor. Mas ao mesmo tempo era maior que o mundo.

Afinal quem pode medir o verdadeiro tamanho de uma cruz?

Antonia mora em Barras, cidade que se acostumou ver seus filhos irem embora em busca de um emprego e de uma vida melhor. Alguns voltam com pouco, outros com menos ainda e há aqueles que nem voltam – perdidos no “trecho”, indo de fazenda em fazenda, de garimpo em garimpo, como um marinheiro das estradas, deixando de lado raízes e lembranças. Há ainda aqueles que tombam pelo caminho, repetindo o movimento das árvores da região.

Seu marido havia sido morto na fazenda Primavera, em Curinópolis, Sul do Pará, em 1997. Então, ela saiu em busca de Justiça. E de plantar uma cruz. Não conseguiu nenhum dos dois: o crime segue impune e o gerente da tal fazenda impediu Antônia de prestar os seus respeitos porque chamaria a atenção da polícia.

Um rio muito bonito corta Barras. De tempos em tempo, quando a memória ataca, ele transborda de tristeza.

(Texto da página 47 do livro de fotos de João Roberto Ripper e Sérgio Carvalho, dois grandes fotógrafos, "Retrato Escravo". Forte, como o tema pede; bonito, por ser baseado em histórias humanas. A edição de texto é de Leonardo Sakamoto)


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