domingo, 8 de dezembro de 2013

Michael



Não tem como evitar: o domingo sempre me leva de volta à casa da minha avó. Aos grandes almoços com a família, quando esta era grande. O quintal, com as brincadeiras das crianças e as criações da casa: muitas galinhas, patos, gansos e marrecos. Como toda criança, ficava muito feliz quando os ovos chocavam e nasciam os pintinhos. Ficava observando e de toda a cria sempre escolhia um e dizia prá minha avó: esse aqui vai ser meu, prá brincar comigo, pode? Minha avó sempre dizia a mesma coisa: pode sim, mas já não chegam os seus primos e os seus amigos prá você brincar? E eu ria, e ficava feliz por saber que tinha tantas opções. 
Bom, o meu escolhido começava a crescer, trocava a penugem pelas penas e mudava de cor. Mesmo no meio de tantas brincadeiras eu gostava de acompanhar o crescimento deles, e minha avó sempre botava um anelzinho no pé do meu "escolhido". Ele ganhava direito até ao batismo, ganhando um nome, geralmente de um artista da época. Lembro de um especial, o Michael (época de sucesso do Jackson 5!). Um franguinho pequeno e ligeiro. Era difícil pegar ele na corrida! E como gostava de comer as plantas da minha avó! Ela ficava louca, e corria atrás dele, o que fazia com que eu o admirasse mais ainda! Era uma festa a correria pelo quintal, ao redor da casa e até pela rua Peri, chegando às vezes na Lopes Quintas. A planta preferida do Michael era a pimenteira que ficava no canteiro do corredor lateral da casa. Sempre que se via livre, ele corria prá lá e "limpava" a planta das frutinhas vermelhas, com direito aos gritos e vassouradas da minha avó e minha torcida para que não fosse pego. Como todos da criação, chegou o dia do Michael. Seria o próximo na fila para a panela do almoço de domingo. Minhas intercessões em seu favor não adiantaram. Minha avó decidiu, estava decidido. Eu podia me despedir dele. Naquela época eu era uma vegetariana convicta, pelo menos no que dizia respeito à carne de frango: não comia de jeito nenhum! Me afeiçoava às aves e não conseguia vencer a nostalgia de saber que tinha que me despedir delas para depois encontrá-las, tristes, na mesa de domingo. Mas o Michael era mesmo um franguinho diferente. No seu domingo de gala, na travessa central da mesa, com a família faminta em volta, ele mostrou ao que veio: ninguém conseguiu saboreá-lo e os que tentaram disseram: argh... é só pimenta!

Dalva Nascimento


Credito da Imagem: arte de Douglas Okada, "Sítio pela manhã"



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Com base no trabalho disponível em http://infinitoparticulardalva.blogspot.com.br/.



Um comentário:

Sylvio Mário Bazote disse...

A história do pobre Michael "dá pena".
Ele teve personalidade até depois do fim...

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