sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Distrair as dores

Compartilho hoje um texto de um amigo do Facebook, José Antonio Abreu de Oliveira. O cara é dentista numa cidade do interior do Rio de Janeiro, Varre e Sai, e escreve bem prá caramba. Gosto muito de seus textos. Segue abaixo um deles: 


"Para distrair as dores entrei num baile, arrasta-pé na roça.

O sanfoneiro parecia Clark Gable, com o bigodinho. Mas a sanfona, toda sanfona, me lembrou um tatu. Gosto. De sanfonas e tatus.

As damas traziam ou flores no cabelo ou enrodilhamentos de jóias. Os cavalheiros eram dados a sorrisos. Havia um prazer discreto de encostar as coxas mode acender pavios. A poeira do chão festejava com um marrom invisível.

Na dança, o estilo era socar pilão suavemente, aquele abaixar de ombros e quadris. Quem fosse rijo causava desprazer. A música queria certa moleza de ossos.

Não é de bom tom conversar quando se dança, a lei é sentir, e agradecer no final. Se felizes, os bailarinos miram infinitos. Pisar no dedo mindinho do pé é criminalística de deseducação, coisa feia, perna de pau, bola fora, rio seco.

Alguma cachaça dá coragem para os achegos. Muita, afasta a delícia. Que a dança tem que ser para as delícias.

Nas mesas, os indecisos, ou os esquecidos, ou quem está em dores. Eu fiquei na mesa, olhando, distraído, sentado sem estar sentado. Mas os olhos apercebidos. 

Quando arrebentaram os fogos, quase era meia-noite, mas o relógio do fogueteiro se adiantara cinco minutos. Comemoramos o novo ano cinco minutos adiantados. Achei estranheza, que me deu alegria: o povo quer é se alegrar. Isso me deu uma outra força: a alegria é que vence. O poeta chileno dava certidão: otimismo, que sejamos otimistas. A alegria na frente. O salão se confraternizava, com trejeitos brasileiros, de tapinhas nas costas e beijinhos dos lados. Descobri que o baile é essencialmente sensorial, não é para a palavra. E como o ano começava ali, decidi me erguer. Puxei a primeira dama e resfoleguei os ombros. Imitei o resfolego da sanfona. Acho que deu certo, não sou dançarino. Aquela boa festa me apaziguou um tanto. Quando fui ver, eu estava cheio de memórias de coxas, suvacadas e umbigadas. Alvoreci, com o descomeço das dores.

José Antonio Abreu de Oliveira
(texto publicado em sua Facepage em 30.12.2012)


Crédito da Imagem: Google


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