terça-feira, 13 de novembro de 2018

O nó das sombras




Ninguém sabe ao certo quando foi que ela começou a entristecer. Ninguém se deu conta, porque foi acontecendo devagar, tão devagar como o sol quando desce e lentamente vai cobrindo de sombras as copas das árvores nas montanhas... E se primeiro ficam escuras as montanhas, depois são os prados, os rios, e de repente, mar e céu, tudo são sombras da mesma cor da sombra da noite. Da sombra da morte.

Foi assim que aconteceu com ela, como um sol que se põe. Devagar. Sem ninguém perceber. 

Um dia deixou de cantar, mas a família não notou. Os amigos não notaram. Tempos mais tarde (quando...?), davam com ela de olhos parados, colados no vazio, ou lendo para dentro (quem sabe...?) as histórias que guardava no peito... Chegou uma altura (qual...?) em que percebiam já todos que ela se assustava quando falavam com ela, como se habitasse num outro lado do tempo onde o ponteiro das horas girava em sentido inverso... Depois, deixou de sorrir. E de ter coisas para contar. Deixou de falar. E cobriu os olhos de sombras escuras, da cor da noite. Cobriu o rosto de véus de tristeza e de silenciosas solidões. Talvez tenha sido então (seria...?) que todos notaram - e era tarde. 

Impossível resgatar do breu da noite a luz de um sol que se apagou para sempre. 

Ana Mateus


Crédito da imagem: fotografia de Sebastian Schaeffer



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