quinta-feira, 19 de março de 2020

Estranhos um para o outro


 

Nós éramos amigos e nos tornamos estranhos um para o outro. Mas está bem que seja assim, e não vamos ocultar nem obscurecer isto, como se fosse motivo de vergonha. Somos dois navios que possuem, cada qual, seu objetivo e seu caminho; podemos nos cruzar e celebrar juntos uma festa, como já fizemos - e os bons navios ficaram placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol. Parecendo haver chegado ao seu destino. Mas, então, a força de nossa missão nos afastou novamente em direção a mares e quadrantes diversos, e talvez nunca mais nos vejamos de novo - ou talvez nos vejamos, sim, mas sem nos reconhecermos: os diferentes mares e sóis nos modificaram! 
Que tenhamos que nos tornar estranhos um para o outro é da lei acima de nós: justamente por isso deve-se tornar mais sagrado o pensamento de nossa antiga amizade! Existe provavelmente uma enorme curva invisível, uma órbita estrelar em que nossas tão diversas trilhas e metas estejam incluídas como pequenos trajetos - elevemo-nos a esse pensamento! Mas nossa vista é muito fraca, para podermos ser mais que amigos no sentido dessa elevada possibilidade. - E assim crer em nossa amizade estelar, ainda que tenhamos que ser inimigos na terra.

Nietzsche
in A Gaia da Ciência



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