É a terceira vez que passo a vassoura no quarto. Nunca está totalmente limpo. Não ao meu gosto. Sempre resta um último fiapo, um fio de cabelo, um ou outro pelo de gato, uma ruga no lençol, uma rusga do dia anterior nas gavetas. Sempre resta um silêncio de antigos quartos a me falar segredos e coisas que pensava já esquecidos... Parece que o quarto nunca fica pronto. Com os outros cômodos da casa é diferente, passo uma ou duas vassouradas e pronto. Mas com o quarto tem este ritual interminável, tem este regresso a um ponto de um tempo que não posso mais fixar. Dele os lugares me chegam em fragmentos, os cheiros me chegam em fragmentos, as sensações me chegam em fragmentos, que vão cada vez mais se diluindo e diluindo. Eis talvez a razão da minha demora em dar por pronto o quarto: recolher a música que desfilou outrora pelos cantos de outros quartos, pelos entantos de outros dias, como se fosse recolhivel o farfalhar do tempo que se viveu.
Aqui não bate sol pela manhã, a cortina azul faz peso sobre a luz. Prefiro não abrir a janela e deixar o cheiro da noite que me aconchegou se estender até alta manhã. Na verdade acho que não quero desmanchar a noite, o abrigo, o refúgio, o acasalamento adocicado e melancólico, que somente se faz possível no silêncio da cumplicidade.
Passar a vassoura não para apagar, mas para lustrar , para reavivar, para recolher dos fragmentos um frasco inteiro de vida e de volúpia de vida, como se só assim fosse possível continuar para além do quarto, para além da porta, para além da rua, para além da manhã, para além do dia...
Lázara Papandrea
Crédito da imagem: Fotografia de Dalva Nascimento
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