segunda-feira, 18 de maio de 2020

Amo tudo o que flui

 

Sim, disse comigo mesmo, eu amo tudo quanto flui: rios, esgotos, lava, sêmen, sangue, bílis, palavras, sentenças. Amo o líquido amniótico quando escorre da bolsa. Amo o rim com seus cálculos dolorosos, suas pedras e não sei que mais; amo a urina que escorre escaldante e a gonorreia que corre sem parar. Amo as palavras de histerismo e as sentenças que correm como disenteria e refletem todas as imagens doentes da alma; amo os grandes rios como o Amazonas e o Orinoco, onde os homens malucos como Moravigne flutuam através do sonho e da lenda em um barco aberto e se afogam nas cegas embocaduras do rio. Amo tudo quanto flui, até mesmo o fluxo menstrual que leva embora a semente não fecundada. [...] a violência dos profetas, a obscenidade que é êxtase, a sabedoria do fanático, o padre com sua elástica litania, os palavrões da puta, o cuspe que corre na sarjeta, o leite do seio e o mel amargo que corre do útero, tudo quanto é fluido, derretido, dissolvido e dissolvente, todo o pus e sujeira que ao fluir se purifica, que perde seu senso de origem, que faz o grande circuito em direção à morte e à dissolução. O grande desejo incestuoso é continuar fluindo...

Henry Miller
in: "Trópico de Câncer"
 

Na fotografia: Henry Miller e Anais Nin




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