segunda-feira, 18 de maio de 2020

Pão, amor e alegria


 
 
Relembranças

E agora?

Acordei fora de hora, e o barco da noite vai singrando longe. De madrugada a gente ouve ecos do que houvera, o desesquecimento. Minha vida toda quase uma neblina, assim acolchoada por um manto de filó, sim, me lembrei, viste seu menino, falei em filó, veio o doce que minha tia fazia, de uma massa tão fina, que se desdobrava transparente. Havia um ritual de apreparos, um jeito de ir afinando a massa com as mãos e a lei da gravidade, que nem barbela de peru, rendado caído, mas que no depois se espalhava como aquele tecido de véu de noiva chamado o tule, ou a organza, me lembro dela falando desses panos quando costurava.

Era um tempo de que fazer. De afazeres. Não são mais. Tudo comprado pronto hoje, para a gente ter mais tempo de ser triste, acho, reclamar de tédio, assim esvaziado de alma. Gosto das tarefazinhas das antigas, meus respeitos majestáticos aos que sabem delidar com as mãos. Ora pro nobis que desandei a caçar serviços, estudar objetos, desmontar e refazer o diferente. Não se esquecendo que somos bichos curiosos e precisamos desafios. Astrodia fiz um doce. Para alegrar uma donzela que amo. Os amores nossos, que pouco vemos.

Será que tenho sísmico de padeiro? Me enrodilhou na testa o expediente de fazer massa filo, ou filó, quiçá o doce fidalgo, ou uma receita esquecida nos livros que cheiram a manteiga e farinha. Acho que queria uma padaria, sim, acordar cedo, ouvir as engrenagens do cilindro, o crestar dos fornos, comprar uma batedeira planetária, que é risível, só de ver me adverte, advirto-me, e me divirto. E os padeiros riem cedo, contam anedotas, enquanto a fatiadora vai estilhaçando as horas. Todo pão é alegre: pelas risadas dos padeiros madrugadores. Pão só entristece depois de muito azo, prazo, estado atmosférico. Coisa que aprecio é chapéu de mestre cuca.

A noite esticada no cilindro de pão. Passada e repassada, e o dia não virá. Se fez grume. De fantasias e lembranças. Vou não, sim, dormir. Sim, vou, não. Preciso arrancar o sono das tramas das cobertas. Talvez até que seja fácil, e se achegue, como menino com fome. Tresvariei, e escrevi uns tragos. Tinha que ter sabor baunilha, caipira pâtissier. Pro seu acordar suave. Quando que tu abrir os olhos queria de tar de seu lado, minha amiga, meu amigo, com a bandeja dos agrados. Pão, amor e alegria. E um país imenso que se arregale.

Bom dia.

José Antonio Abreu de Oliveira


Imagem da Web

 



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