segunda-feira, 13 de julho de 2020

Nem sempre nas viagens o destino é o mais importante...


... pois o caminho também faz parte da viagem.



Falta pouco, respondia o meu pai. E continuávamos a falar de algum assunto que, agora, gostava de poder retomar. Esse era um tempo muito bom, era um tempo perfeito. Sentado, com o peito atravessado pelo cinto de segurança, não sei se dava o valor devido a essas horas em que a paisagem me parecia demasiado monótona, sobretudo quando confrontada com tudo o que imaginava acerca do lugar para onde nos dirigíamos. Eu era pequeno ou distraído, não creio que tenhamos chegado a falar sobre isso, mas acredito que o meu pai valorizava esse tempo, esses quilômetros que partilhávamos no carro.

Hoje, tenho a idade que ele tinha nesse tempo. Por isso, sobreponho a minha memória com o que vejo em espelhos visíveis e invisíveis, e acredito que sou capaz de perceber melhor o significado do seu rosto durante essas viagens, a maneira como dizia certas palavras e como contava certas histórias. Hoje, tenho a idade que ele tinha nesse tempo. Essa é uma constatação profunda dentro de mim, como se o meu pai me olhasse ainda desde esse interior. Em breve, terei a idade que ele nunca chegou a ter. Quanto falta para chegarmos?

Falta pouco, respondo eu com a voz do meu pai. Percebo agora que também ele sabia exatamente quanto tempo faltava para chegarmos, mas também ele preferia que não nos fixássemos apenas no destino, apenas na hora e no lugar onde chegaríamos. A impaciência era desnecessária. Tarde ou cedo, haveríamos de chegar. Essa era uma certeza. Enquanto estávamos ali tínhamos a viagem, tínhamos tudo.

José Luís Peixoto



Crédito da imagem: fotografia de Aleksandar Nakic/iStock




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