A mulher parou para ouvir o silêncio. Respirou devagar o tempo suspenso por um fio, o fio da felicidade, tão tênue e tão frágil, tão difícil de agarrar... Sentiu vontade de prender esse instante entre os dedos das mãos, de o gravar a fogo na memória para mais tarde lhe iluminar a aridez dos dias solitários. Caminhava devagar atenta ao piar dos morcegos e ao negro das suas asas que riscavam velozes a escuridão dos céus. Nas suas costas, a majestosa catedral acendera todas as luzes e fazia-se presente como uma testemunha fiel e silenciosa dos amores que nunca foram, dos que permanecem sagrados, intocáveis, sem sombra de culpa ou de pecado. Os amores imortais.
Fora nesse local que ele lhe dissera o quanto a tinha amado, que lhe contara finalmente do amor guardado no peito como um tesouro fechado a sete chaves e que o abismo dos anos não embatera. Um amor que levara para todos os cantos onde estivera e que o acompanhara nas horas felizes e nas mais dolorosas. Um amor feito só de uma saudade infinita e de memórias que não se apagavam. Nunca se apagavam.
A mulher voltou-se e olhou a cidade ao longe, estendida aos seus pés. Sentia-se feliz naquele local sagrado. Há lugares assim, feitos só de silêncio e de solidão, como páginas que nunca foram lidas e permanecem suspensas no livro da vida... Lugares onde se confessam amores eternos e onde se promete não regressar com mais ninguém.
Ana Mateus
Imagem: Fotografia de Genilson Araujo/Agência Globo
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