sábado, 9 de novembro de 2024

Manhãzinha silente

 


Café com pão e queijo esquentadinho na chapa, e sol da manhã na pele: pode ter aquecimento melhor depois de uma longa noite de sono? Dormi, dormi e dormi, Penso que descansei uns anos. E acordei inteiraço. Com aquela vontade de visitar primos na roça, pegar bergamota, biribá, pêssego e goiaba. Ver os primos alimentando as vacas, cheirinho bom de merda de vaca, quem não gosta?

E aspirar o ar do campo, aspirar os sons do campo, ver o pinhé gritar pinhé, aquele grito quadriculado, carijó garroso, bico semiluado. Lustroso de alaranjado. Ouvir histórias, o conversê dos porcos e galinhas, a formosura miúda dos garnisés, bichinho que parece sapato emplumado, danado de orgulhoso. Sei lá, dia que eu não puder ver garnisé, acho que a vida não acontecerá. Gosto de tudo que é bicho, mas tem uns que me enfeitiçam mais depressa. 

Por fim, além dos carinhos dos primos, lá, escondido atrás da moita, que ninguém vê, depois da curva vermelha de barranco calvo, espreita o lago, taboal de segredos. De súspito, de dentro dos esconderijos das canas emergem os marrecos selvagens, pequenos barcos chineses, soprados por ventarolas. 

Singrando a aguinha silente, desenhando caligrafias na pele fluida e licorosa de  líquens desnomeados, como o surgimento do universo. Que o mundo nasceu assim, daquele escuro-esverdeado do meio do lago, e veio vindo, veio vindo, de repente era um marrequinho bicando as asas.


José Antonio Abreu de Oliveira













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