Madalena cresceu tendo tudo entre as mãos. Andou nos melhores colégios, com os brinquedos mais caros, cavalos árabes, festas de um turbilhão de cores, empregadas para cada momento, as pérolas e as amigas de conveniência.
Agora, mulher elegante, bonita, bem cuidada e interessante, passa os dias entre o ginásio, as excursões à Avenida da Liberdade com as amigas, os palmiers da Pastelaria Restelo às cinco, os vestidos de marca, os sapatos JimmyChoo, o pecado dos croissants da Bénard nos dias de chuva.
Sente-se bem e esta vida traz-lhe um sorriso aberto a todo o instante. Apesar de às vezes lhe parecer que alguma coisa se perdeu.
No almoço de sushi na Bica, a amiga de sempre sentencia com uma gargalhada cantada: "Isto é que é viver bem.. A vida é feita destes pequenos prazeres!"
E Madalena sorri um sorriso triste, se é que isso existe.
Lembrou-se do avô. O avô que é hoje um resto do que foi, uma ínfima parte do que era.
O verão a sério só chegava com as duas semanas que passava com os avós paternos na Costa. O avô sempre cheio de força e energia, que a ensinava a fazer torres infinitas com a areia molhada, levava-a até às ondas mais rebeldes, ensinava-a a comer conquilhas* cruas que encontravam arrastando os pés na maré-vazia. Apanhavam uma dúzia, ia tudo para o balde azul e depois sentavam-se a comê-las. Sushi à antiga.. "Sabe mesmo a mar... A isto eu chamo pequenos prazeres" e ria, coisa que era rara nele. E Madalena sorria sem perceber, mas feliz por estar ali.
Tem saudades do avô, do verão na Costa, das marés-vazias. Muitas, imensas. Se calhar devia dizer-lhe isso na próxima visita. Ainda que ele nem perceba, perdido que está no espaço e no tempo, perdido de si e dos seus. Tem saudades do seu sorriso à beira-mar.
Acaba de decidir: na próxima vez leva-lhe um balde azul cheio, carregadinho de pequenos prazeres. Pode ser que o faça lembrar quem é a menina-mulher que ali está à sua frente. E talvez até sorrir.
historiasdenos.blogspot.com
*conquilhas:designação comum, extensiva a diferentes espécies de moluscos bivalves do género Donax, da família dos Donacídeos, comestíveis e bastante comuns nas costas meridionais portuguesas, sobretudo em zonas de rebentação marítima, enterrados no areal a pouca profundidade
Nenhum comentário:
Postar um comentário