quarta-feira, 14 de novembro de 2018

Espinho do joá



Então era ontem.

Vinha pela estrada afora quando. Dois pequetitos, garotos de roça, enxada e marmita nas mãos. Reparei que traziam espetado na lapela da blusa um alfinete, desses comuns, luzindo ao sol. Me reconheceram, declarando um bom dia ao mesmo tempo. Estaquei, posto que o brilho dos alfinetes me curiosaram. Lasquei a indiscrição: - Oi, me expliquem o porquê dessa agulheta?

-Ah é que nós vamos capinar pasto.

-Uai, e o que tem capinar pasto com uma agulha ou alfinete? A enxada, ok, a marmita, ok...mas não vejo razão alguma nesse objeto. Mixplica?

- A gente vai capinar o morro com nosso pai, ele pegou empreitada, faremos em 3 dias a capina. Daí a gente vai arrancar algumas plantas cas mão: arnica, alecrim, são joão, assa-peixe, e outros tantos de matos que nem sei o nome. Disse o maiorzinho.

-E joá. Corrigiu o menor dos irmãos.

Dãããã, pensei, ainda não entendi. Eles silenciaram, como se eu já houvesse entendido e mais nada precisasse ser dito.

-Hummmm, deixa ver se compreendi: o alfinete é para prender algum pano que vocês levam comidinhas, ne? As merendas.

Riram. -Não. A comida e a merenda vai tudo junto na marmita e no embornal.

-Mas... mas...deconjuntei o pensar. Que mistério, que razão? Insistirei mais um pouco, sou assim, detalhista. Lasquei a última indagação.

-É para tirar bicho de pé se vcs pegarem lá no pasto? Riram alto, inesperados. - Não...quáquáquáquá!

O menor foi professoral: - É assim, a gente quando bate pasto, que arranca mato com a mão, sempre pega nos meios dos matos umas plantas espinhentas, como o joá, que espeta os nossos dedos e deixa o espinho. O alfinete é pra retirar espinho de planta que entra dentro dos dedos, é isso, o senhor não sabia? Todo mundo sabe!

-Ah! Tá explicado, agora! Mas vocês deveriam estar na escola...

A gente tá. De tarde. De manhã a gente ajuda nosso pai. O pasto é vasto, aquele lá, ele dobra a corcunda até o outro lado. Sem nós, meu pai sozinho não dá conta de fazer em três dias. São trezentos reais, que ele sua para a nossa comida. A gente tá acostumado. Tchau!

Sumiram, na curva. O alfinete se encaixou na explicação, mas alguma coisa...alguma coisa ainda estava fora do lugar...alguma coisa, que espeta, que sangra, um travo amargo de realidade.

José Antonio Abreu de Oliveira



Crédito da imagem: fotografia de José Feitosa






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