quarta-feira, 1 de março de 2023

No vento da tarde

 


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Este texto não existiria se eu não tivesse visto ontem, no claustro da Sé de Lisboa, uma grade românica do século XIII. Há oito séculos que estes pássaros não cantam, que estas cobras não deslizam pela relva úmida, que estas osgas não sobem paredes esboroadas. Ninguém sabe, aliás, que mãos lhes deram forma, que nome atribuir à beleza leve e robusta desta grade. Sabemos apenas, como diria Rui Chafes, que ali o ferro se fez vento - e que o vento chegou até nós, incólume e cantante. Estes pássaros, estas cobras, estão muito mais vivos do que nós, indiferentes a modas, balanços e ao Juízo Final. Não têm tempo, porque são o próprio tempo, traduzido em ferro por mãos feitas de nada e de ossos breves.


Manuel de Freitas

 

 

Imagem via Pixnio.com 




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