ELA:
Escrevo sobre ti, para ti, a ti. Todos os dias te vou desenhando mais um pedacinho, neste meu caderno pautado que trago no colo, enchendo as folhas brancas com aquele que serás tu. Tu para mim.
Quando paro nesta estação e lá estas sentado à espera da tua vez, quer dizer, da tua linha, descubro mais um bocadinho daquilo que é seres tu e lá vem para o meu papel. Hoje a camisa azul, ontem o guarda-chuva, naquele primeiro dia o meio sorriso. Pareceu-me que era para mim.
Um dia hás de levantar-te, entrar na minha linha e sentar-te ao meu lado. Todos os dias aqui passo a caminho da escola. Sabes, lá chamam-me Senhora Professora, mas eu só quero que algum dia alguém me chame Meu Amor. Podes ser tu. Ou melhor, queria que fosses tu.
A SENHORA QUE SE SENTA ATRÁS:
Vejo-a sempre ali de caderno no regaço e ponho-me a imaginar o que será o mundo desta menina-velha que todos dias aqui vejo. Sempre na mesma cadeira, sempre o mesmo ar esperançoso e cabelo bem apanhado.
Vejo-a escrever devagarinho, lentamente, com cuidado. Tenho a certeza que também é assim que leva a vida. Um dia hei de esquecer-me da dor na anca e do que me custa levantar, chamo-a e digo-lhe para acordar, que qualquer dia já não tem mais dias e que até um simples levantar vai custar-lhe a coragem do mundo.
ELE:
Um dia ela vai sair nesta estação, vem ter comigo e hei-de pedir-lhe para ver o caderno que poisa delicadamente sobre as pernas. Depois levo-a pela mão e vamos passear na rua. Pode ser que seja amanhã.
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Fotografia de Ewa Palczynska-Ehrard
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