sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Encontros e desencontros


"A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida."
                                                                                                                Vinícius de Moraes

Acredito que esta frase do poetinha é a que melhor descreve a vida que levamos hoje em dia.
Li em algum lugar que a distância é a mãe de todos os encontros que acabam em desencontros, mas não é bem assim.
Muitas vezes aqueles que nos são mais próximos (familiares, amores, amigos) são com quem mais nos desencontramos diariamente.
Os maiores desencontros de que tenho tomado conhecimento são os desencontros de amor.
Num mundo tornado pequeno pela Internet, onde podemos ter acesso a tudo e a todos através de um mouse e um teclado, desaprendemos a arte do encontro.
Num simples clic estamos trocando idéias com pessoas do outro lado do mundo. Os celulares permitem comunicação imediata, troca de mensagens incessante. Não há limite de tempo para os contatos, estamos todos linkados através das redes sociais... Isto é bom – se levarmos em conta que quanto maior o fluxo de comunicação, maior a liberdade de expressar pensamentos, partilhar sonhos, angústias e sentimentos. Mas tem o lado B. Quanto maior a liberdade, maior a necessidade de controle das pessoas umas pelas outras. Quem nunca se viu tentado a invadir a privacidade das mensagens do WatsApp do seu amor?


"Que pode uma criatura senão, entre outras criaturas, amar?"
                                                                                           Carlos Drummond de Andrade
Por que, a cada dia, cresce mais e mais o número de frequentadores de sites de relacionamentos? Por que, a cada dia, as pessoas sentem mais dificuldades de encontrar uma pessoa para amar e alguém que as ame? E por que, quando finalmente encontramos, surgem tantos problemas que transformam aquele que deveria ser o “encontro” perfeito num desastroso “desencontro” amoroso? 
Afinal, por que nos cercamos de tantos conflitos de sentimentos? Querer e não querer, saudade e enfado, amar e odiar, doçura e raiva... por que esse processo é tão desesperador?
Por que tanta dificuldade no amor – um sentimento tão simples, pois quando se ama se ama e ponto, não há meio-termo .  Se duas pessoas se gostam, o que elas querem? Ficar juntas, não é? Parece simples.... mas por que não é?  Afinal, amamos pela paz que o outro nos dá ou pelo tormento que nos provoca?
A verdade é que o o amor tem que ser apenas “encontro”, apenas isso.
Esse encontro vai acontecer se para isso estivermos predispostos a acolher o outro como ele chega até nós. Cada um traz a sua história... quanto mais idade tem a pessoa, mais história ela traz. Ninguém deixa prá trás suas histórias, suas experiências. Afinal, elas são o que são justamente por causa disso. Cada um tem uma bagagem específica: sonhos não realizados, frustrações, traumas, amores fracassados. Para que o verdadeiro encontro aconteça é preciso acolher o outro com tudo o que ele traz. Ser paciente com tudo o que já foi vivido e estar aberto para o que se quer viver juntos: novos sonhos, novos desejos, novas esperanças.
O encontro é algo nobre. Não pode ser apressado. Tem que ser solidificado na liberdade de ser, de escolher e de querer estar na companhia do outro integralmente. 
O encontro vai acontecer somente naquelas relações que não têm medo do vínculo. Há que ser construído com base na vontade de estar juntos, da abertura para que se conheça um ao outro.
Atire a primeira pedra quem nunca passou por momentos de baixa auto-estima. Todos temos inseguranças e carências. Por isso temos a tendência de “aprisionar” nossos objetos de desejo. Nos confundimos achando que para se ter alguém temos que ser capazes de controlar. Daí transformamos aquele espaço afetivo de troca de experiências existenciais, afetivas e sexuais em verdadeiras “celas” afetivas.
Conhecemos uma pessoa e em nossas conversas descobrimos que temos muitas afinidades. Através de nossas fotos sabemos que pode haver uma atração. Tem-se aí duas fortes bases para que aconteça um encontro de sucesso: afinidade mútua e atração física. E aí então marcamos um encontro. Começamos a escolher a roupa que vamos usar. Demoramos na frente do espelho escolhendo o melhor vestido, a camisa que mais valoriza o físico, a cor que mais agrada... Mas não enxergamos que debaixo disso tudo estamos levando também nossas carências afetivas... e a pressa na resolução delas. Somos seres “instantâneos”. Temos pressa, queremos suprir nossas carências custe o que custar, muitas vezes sem prestarmos atenção na carência do outro. E o verdadeiro “encontro” então... não acontece. 
É o desencontro: nos apresentamos ao outro como uma pessoa descontrolada e ávida pelos prazeres do sexo, que desaprendeu a amar numa relação de afeto, respeito... que leva tempo para ser edificada, que precisa de paciência para poder existir.
É preciso repensar nossa forma de amar. Precisamos aprender a arte do encontro. E como todo caminho começa com um passo inicial, este é bem simples: encha seu coração de um amor saudável, verdadeiro, fiel e comprometido – e estará no caminho certo para um encontro equilibrado.


Desencontro
Só quem procura sabe como há dias
de imensa paz deserta; pelas ruas
a luz perpassa dividida em duas:
a luz que pousa nas paredes frias,
outra que oscila desenhando estrias
nos corpos ascendentes como luas
suspensas, vagas, deslizantes, nuas,
alheias, recortadas e sombrias.

E nada coexiste. Nenhum gesto
a um gesto corresponde; olhar nenhum
perfura a placidez, como de incesto,

de procurar em vão; em vão desponta
a solidão sem fim, sem nome algum -
- que mesmo o que se encontra não se encontra.

Jorge de Sena

Crédito das imagens: Google



Licença Creative Commons
Este trabalho foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em http://infinitoparticulardalva.blogspot.com.br/.



2 comentários:

Sylvio Mário Bazote disse...

Oi Dalva.
Bom ver uma nova publicação sua depois de tanto tempo!
Sempre sábias palavras e belas imagens...

Acredito que, infelizmente, a maioria de nós não sabe valorizar e aproveitar as facilidades, tendendo à negligência com aquilo (e aqueles) que temos rápido ou frequentemente...
Mania besta esta a de valorizar apenas o que consideramos difícil! Com a rapidez de acesso nos tornamos descuidados com as consequências, com a quantidade nos despreocupamos com a qualidade.
Penso que as pessoas têm se desencontrado umas das outras porque têm se desencontrado cada vez mais de si mesmas, diante da crescente quantidade e velocidade dos estímulos e possibilidades.
Não gastamos muito tempo tentado ser porque nos sentimos na obrigação (ou direito) de ter. Não sabendo nossa essência, confundimos nossas vontades (supérfluas) com nossas necessidades (básicas), não sabemos quem ou o que precisamos para nos sentirmos realizados e tranquilos, nos lançamos em sucessivas somas de pessoas e objetos, para não nos sentirmos inferiorizados diante do que nos mostra a maioria.

Saudade do “verniz social” que antes se criticava como uma forma de hipocrisia, mas hoje bem o percebo como um necessário (e cada vez mais raro) lubrificante para os relacionamentos sociais, sejam eles profissionais ou pessoais, diminuindo os atritos e desgastes, tornando a vida mais agradável.
Às vezes menos é mais, levando a uma vida simples, coerente, elegante e plena! Difícil é perceber e resistir às tentações...

Lilá(s) disse...

Gostei de ler, e gostei do regresso.
Saudades
Beijinhos

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