terça-feira, 1 de março de 2022

Uma garrafa de canjinjin

 


Certa feita convidaram-me para padrinho de casamento. Uns pretos retintos, que compravam no armazém de meu pai, e de quem eu era amigo, pois se tratavam de pessoas de fartos sorrisos, amorosos, gentis, divertidos. A família chegava para as compras num velho fusca. Que nem sei como, levava os alimentos para o mês, e outras mercadorias, além dos familiares, imprensados no pequeno veículo.

Fui, com prazer.

Casa humilde, mas de amplas varandas, ao pé de uma serra pedregosa, e vasto terreiro. Enfeitado com bandeirolas. O único convidado branco era eu. A turma toda, a parentalha, era negra, desse negror da pele que retine ao sol. E como sorrissem muito, destacava-se o branco dos dentes, fortes, e o limbo dos olhos. Receberam-me com alegria, e participei de todos os rituais da igreja, terno e gravata, num templo católico da cidade de Faria Lemos, MG.

Mas o que me chamou a atenção foi a bebida que distribuíram após o casamento. Alguém trouxera de Mato Grosso, e eles adoravam aquela beberagem. Chamava-se canjijjin, que eu desconhecia, e nunca mais provei. Me pareceu um aguardante misturado com mel, gengibre e canela, acho que também erva-doce. O pessoal de Mato Grosso improvisou uma dança, que me disseram ser uma congada, e assim esvaiu-se a noite, com muitos risos, aplausos, e atabaques. A noiva e o noivo não paravam de dançar um minuto sequer, Fui ficando, ficando, e, quando dei por mim, estava mesmo bêbado de canjinjin. Não me deixaram dirigir o carro. Me lembro que acordei, no dia seguinte, dormindo numa cama, num paiol, mas muito bem acomodado. Disseram-me que eu roncava alto para burro, e se escangalhavam de risos.

Mudaram-se todos para o Mato Grosso. Nunca mais tive notícias. Perdi as veredas por onde se enfurnaram meus afilhados de casamento. É afilhado que a gente fala? Não entendo muito de casórios. Mas penso que casamento tão alegre jamais voltarei a ver. Aquela alegria que era uma lanterna brilhante em cada sorriso. E o paiol foi a melhor hospedagem de minha vida. Ainda quero comprar uma garrafa de canjinjin, para guardar a memória de uma gente tão gentil.

José Antonio Abreu de Oliveira

 

crédito da imagem: site Criando sonhos



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