domingo, 28 de setembro de 2008

A volta dos que não foram

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Depois de andar por muito tempo pelo shopping, sem saber direito o que procurava, Soraya avistou uma vitrine tão linda que não resistiu e entrou pela grande loja de departamentos. Imediatamente, a música chegou aos seus ouvidos. Uma música muito antiga, dos anos 70, mais especificamente, do ano de 1978...
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Ela suspirou ao mesmo tempo em que se via remetida ao passado, podia até sentir o cheiro do mar, o calor do sol, as muitas tardes de matinê e algumas noites na discoteca, isso depois de muito choramingo para as mães que relutavam em deixar suas virgens filhas passando noites em discotecas...
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Tinha uma amiga inseparável, Renata e até pareciam irmãs, pois andavam sempre juntas e, naquela praia, eram já conhecidas como as futuras médicas. Soraya seria psiquiatra e Renata seria pediatra, ao menos é o que viviam dizendo... Até o dia em que se afogaram juntas, foram apostar corrida a nado, juntamente com mais três amigas e perderam a briga contra o mar que, naquela manhã, estava revoltado e arrastando tudo e todos para suas profundezas...
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Foram salvas, mas a vida voltou diferente para elas. Soraya seguiu a vida tentando recuperar a parte dela mesma que ficou naquele mar para sempre e acabou se tornando uma grande escritora, Renata acabou tornando-se professora de matemática e as outras três amigas evaporaram pelo mundo após aquela triste manhã...
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Ouvir aquela música, por alguns instantes fez Soraya desejar voltar aquele tempo mágico, pensou que, se não tivesse se afogado, seria uma psiquiatra, teria se casado, tido filhos e não teria hoje tanta solidão pois, apesar da fama e do status que tinha, no fundo era uma grande solitária, nunca se fixava numa relação amorosa, não tinha filhos e não conseguia estabilidade nem mesmo em sua carreira... Sua vida era uma grande montanha russa, em alguns momentos no auge do sucesso, em outros momentos esquecida em alguma avenida escura da cidade...
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Foi quando notou que a música não havia mexido somente com ela. Ao seu lado, duas mulheres que acabavam de se conhecer, iniciavam uma conversa enquanto esperavam para pagar suas compras. Uma dizia que seria a mulher mais feliz do mundo se pudesse voltar no tempo, nunca se casar nem ter filhos. E arrematou dizendo que, às vezes, sentia tanta vontade de largar marido e filho e sumir, ficando esquecida e sozinha com ela mesma. A outra dizia que só pensava em sair viajando pelo mundo, sem rumo, sem hora para nada, pois essa vidinha tão estável a deixava doente...
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Soraya sorriu ao ouvir esses comentários. Aquelas mulheres queriam ser exatamente como ela era e achavam que seriam felizes assim. Mas ela se sentia tão infeliz desta forma... Não precisou pensar muito para entender que a felicidade parecia sempre estar do outro lado, a vida dos outros sempre pareceria mais prazerosa e não importava muito o caminho seguido, sempre haveria em cada ser a insatisfação e a vontade de ter feito tudo diferente. Numa eterna busca, numa espera insensata pela volta dos que não foram...
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Lou de Olivier

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