segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

Oferenda

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Aqui está, Amigo, minha casa vazia e meu cheio coração: é o quanto resta, após a tempestade da véspera.
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Durante muito tempo, reuni objetos que a convenção valorizou, e de ornamentos inundei o lar, fazendo-o deslumbrante e belo.
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Muitas vezes desejei deter o sol triunfante, para que minhas águas se doirassem ao seu beijo, quando seus raios descessem a mirar-se no lago do meu quintal. Todavia, fagueiro, ele corria pelo céu e, ocultando-se, fazia-me chorar de emoção ao vê-lo emoldurando nuvens brincalhonas.
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Vezes outras, roguei à pálida virgem da noite descesse seus cabelos de prata, e os umedecesse no orvalho guardado nas pétalas do meu roseiral. No entanto, ei-la no lago, a deslizar nas águas paradas, despedaçando-se sob as rodas do carro do vento.
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Às aves do arvoredo, supliquei sempre cantassem à janela do meu quarto, despertando-me com o gorgeio das suas vozes canoras. Mas, quando as tive perto, no peitoril da janela, tornei-me ladrão, roubando-lhes a liberdade, para sempre as ouvir cantar... e, daí por diante, sempre estiveram a chorar a perda do céu sem fim e do arvoredo musical, que a brisa oscula e a noite acalenta.
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Tudo quis: nada tive.
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Quando, porém, a dor de muitos chorou à minha porta, qual tempestade de desesperos, dei todos os objetos, ornamentos e valores que a humana condição venera...
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E libertei-me da rapina, libertando as aves. A dor dos estranhos me falou tanto, que me fiz mendigo, rico que fui, para dar.
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E agora que chegas, Amigo, tu a quem amo... somente posso oferecer-te minha casa vazia e meu cheio coração, eu, que antes era dono de uma casa cheia e de um vazio coração.”
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R. Tagore

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