quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Démodé



démodé |dêmodê|
(do francês)
adj.
Que está fora de moda. = ANTIQUADO, OBSOLETO
Feminino: démodée. Plural: démodés.

Grafia no Brasil: dêmodê.

Li uma crônica de Carmen Vasconcelos muito interessante que quero compartilhar com vocês. O tema dessa crônica é a tão aclamada e atual morte do amor romântico. Isso, para mim, não passa de uma teoria insana que andam querendo nos impingir. Já escutei muita gente dizendo que o tal do amor romântico nada mais é do que uma busca idealística. E que também ele é tão mais intenso quanto for a sua proporção de sonho irrealizável... Não concordo que a nossa história de amor ( e todos já vivemos uma...) sejam apenas histórias de buscas, jornadas, lutas.

Uma vez também li, não me recordo onde, que "...e foram felizes para sempre..." é sempre o ponto final da história, porque uma vez concretizado o amor nada mais existe, tudo se perde, inclusive o próprio sentimento.

Sei que vivemos um mundo onde tudo é muito rápido, muito imediato, e corremos o risco de buscar apenas a satisfação de nossos desejos, abrindo mão de nossos ideais. Mas... ao perdermos nossos ideais, perdemos tudo.

Leiam a crônica, e logo a seguir "A Necrologia do Verbo Amar".

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A MORTE DO AMOR ROMÂNTICO
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Carmen Vasconcelos - Poetisa
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E chegamos ao fim.
Sinos dobram, arautos anunciam e o gajeiro da nau catarineta avisa: o amor romântico, este ser abominável, criado há uns oitocentos anos para nosso deleite e nosso padecimento está em vias de desaparecer.
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Ele, o dito cujo, o anjo decaído, aquele que desvia, o excomungado, o senhor das moscas, sucumbirá. Será extinto pelos valores da sociedade moderna, a sociedade do ego, que exalta a individualidade, desdenha o coletivo e execra definitivamente todos os tipos de dependência.
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E ele, o encardido amor romântico, cria uma enorme gama de dependências. Parece que é feito só disso. É dependência física, emocional, espiritual, dependência de companhia para tomar sorvete, para ir ao supermercado e vai por aí. O amor romântico é tinhoso também porque mente, inventa, ludibria. Envolve os incautos amantes numa teia de delírios. O que sentimos, afinal, não é o puro sentimento imaginado por nós, é só uma projeção que resulta na invenção de uma alma, à qual destinamos a imagem de uma pessoa real escolhida e então passamos a amar irremediavelmente e para sempre (ou até a descoberta da ilusão sordidamente traçada por ele, o-rabo-de-seta do amor).
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O nosso, a gente inventa. E haja terapeutas e técnicos de auto-ajuda para dizer-nos que nossa individualidade é mais interessante do que a procura da cara-metade inexistente, que a completude tem de ser nossa e não buscada em outra pessoa (ainda mais, inventada com aquilo que, de nós, supomos existir nela – é de Fernando Pessoa o verso: “Ninguém ama o outro, senão o que de si há nele ou é suposto”). Temos de estar inteiros para nos envolvermos emocionalmente com outro ser, que também deve ser pleno. E o amor romântico nos quer carentes, desejantes do outro que nos complete.
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É, o amor romântico está na berlinda. Ou melhor, está no cadafalso, em vias de ser enforcado. Amor bom, dizem os entendidos de exatidões, é amor entre seres que, antes de amar, precisam estar suficientes. Auto-suficientes. Devemos amar é a nós mesmos. O outro, aquele que, segundo o amor romântico, seria a razão da nossa felicidade eterna ou da nossa imortal tristeza, é alguém que deve caminhar ao nosso lado, mas cuidando dele mesmo, como cuidamos de nós. E nem se fale em eternidade. É até que a vida nos separe. Sem dramas, afinal, seremos sempre nós mesmos.
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É, o amor romântico não cabe na nova cultura, fixada no eu sozinho. Não nos vale procurar a mítica unidade: dois seres em um. O desejo de fusão deságua na dor concreta, real, da impossibilidade dessa fusão. “...tão contrário a si é o mesmo amor.”
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O amor romântico é trágico de nascença, porque a perfeição é inatingível. Ele não é o capitalismo (ao contrário, é um fator de caos no capitalismo), mas contém em si o germe da sua destruição. Por isso, pregam os profetas do modernismo e os livros de auto-ajuda: protejam-se do amor romântico. Fortaleçam-se em si mesmos. O amor romântico é Maya, ilusão. Não existe.“Porém, se acaba o sol, por que nascia?” Se o renegado não existe mesmo, ou se está às portas da morte, que graça terá a vida? A vida só vale ser vivida porque inventamos sentido para ela, e o amor romântico (perdoem-me os soltos), com os seus mistérios gozosos, gloriosos e dolorosos, é um sentido plenamente justificado.
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NECROLOGIA DO VERBO AMAR
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Amo
- lançando-se contra moinhos de vento - gritava dom Quixote.
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Amo
– envenenado de céus - gritava Otelo.
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Amo
– recostado em Ossian - soluçava Werther.
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Amo
– tremendo nas carruagens de Jasvin - repetia Vronski.
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Amo
– separando-se de Grusenka - sonhava Dimitri Karamazov.
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Amo
– brandindo a espada - recitava Cyrano.
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Amo
– regressando do comício - sussurrava Jacques Thibault.
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Amo
– gritaria também o herói de um romance contemporâneo,
mas o autor não lho permite.
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Não está na moda.
O amor já não é contemporâneo.
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Izet Sarajlic
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Trad. de José Luís Peixoto e Juan Piqueras
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2 comentários:

Mαğΐα disse...

Não fiquei indiferente a este post.
Concordo em muitas coias, noutras discordo.

Eu, que gosto de ver a vida cor-de-rosa e não me permito vê-la de outra forma, tenho para mim que o amor romantico ainda existe. Mudou sim a forma como se exterioriza o amor, exactamente porque se apregoa essa nova cultura do "eu sozinho".
Existe sim pudor em dizer como se ama, e aqui não me refiro a simples palavras que todos os apaixonados usam. Refiro-me sim á forma como nos damos ao outro. A modernidade ensinou-nos (mal) que as paredes não existem só nas casas mas também em redor de nós e vivemos (incoscientemente) a vida como se de um baile de máscaras se tratasse. O perfeccionismo ou a utopia do perfeccionismo tomou conta de nós e tentamos a todo o custo manter o emocional preso dentro de nós para nos mostrarmos ao mundo exteriores como pessoas fortes, singulares e inabaláveis...
Porque será que a depressão se tornou a doença da nossa era?
Talvez a resposta esteja escrita no lado de dentro das paredes que nos obrigaram a erguer á nossa volta...

Um beijo...

(gostei deste post, fez-me reflectir...)

Lilá(s) disse...

Bom post, fiquei por aqui pensando...algumas verdades outras nem por isso.
Bjs

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